terça-feira, 11 de agosto de 2020

Cine Baú - Os Bons Companheiros (Goodfellas)

De: Martin Scorsese. Com Ray Liotta, Robert De Niro, Joe Pesci, Lorraine Bracco e Paul Sorvino. Drama / Policial, EUA, 1990, 146 minutos.

Numa análise rasa algumas pessoas costumam afirmar que Martin Scorsese glorifica a máfia em seus filmes. Mas, quem faz isso, certamente não assistiu a estas obras com a devida atenção, como comprova a história de ascensão e queda vista em Os Bons Companheiros (Goodfellas) - e que é a evidência cinematográfica de que, no final das contas, o crime não compensa. Na trama acompanhamos a história do jovem Henry Hill (Ray Liotta) que, desde menino, sonha em ser gângster. Pela janela da casa em que mora com os pais e o irmão, no Brooklyn, em Nova York, acompanha a movimentação dos mafiosos em uma pizzaria do bairro, local em que começará a trabalhar, se tornando mais tarde protegido de Jimmy Conway (Robert De Niro), quando passará a atuar na receptação e na venda de cargas roubadas. Não demora para que os golpes se tornem cada vez maiores e mais ambiciosos, com o rapaz sendo tratado como um filho pelo chefão local - um certo Paulie (Paul Sorvino).

Trafegando entre os dois estará o instável Tommy DeVito (Joe Pesci, que faturou o Oscar pelo papel), um sociopata praticamente sem limites, daqueles que atira primeiro para perguntar depois. Será esse grupo de pessoas que assistiremos durante duas horas e meia, período em que acompanhamos três décadas de gangsterismo que evolui para o glamour das roupas chiques, dos restaurantes caros e do dinheiro jorrando fácil, até a decadência que reduz e aniquila o grupo (as mortes em série após um grande roubo de uma carga de drogas, faz com que todos desconfiem de todos). E esse acaba sendo o erro de Henry: incapaz de estabelecer limites para a ambição, se envolve em esquemas nebulosos, regados a cocaína, que não demorarão muito para chamar a atenção do FBI. Aliás, em partes, é possível afirmar que, após uma série de equívocos, Henry só encontrará a salvação ao se tornar informante da polícia federal, onde vira um Zé Ninguém auxiliado pelo serviço e proteção as testemunhas.


E por mais que seja uma obra brutal, cheia de mortes grosseiras (e até estúpidas), a película mantem um senso de humor meio torto, daqueles em que a gente ri muito mais do absurdo sem sentido daquilo que acompanhamos, do que por alguma piada mais pontual. E, em muitos casos, é um riso de nervoso mesmo, como no caso de praticamente todas as cenas protagonizadas por Pesci. Com seu estilo furioso, a sua figura intempestiva é capaz de causar conflito instantâneo. É um convite para que as coisas saiam do controle, como comprova a inexplicável sequência em que ele assassina a sangue frio um jovem garçom que é incapaz de lhe servir a bebida corretamente. Aliás, são essas atitudes de mafioso de segunda linha, baixas, toscas, de quem não respeita hierarquia alguma, que terminarão por acarretar a morte de um certo Billy Batts (Frank Vincent), um chefão da máfia rival. De certa forma, isto também contribui para o contexto de instabilidade, de insegurança, que resultará no esfacelamento de um coletivo que entra em paranoia - algo exemplificado pela sensação de estar sendo o tempo todo perseguido, com que Henry convive no terço final.

E por mais que todos ali tentem viver uma espécie de idílio familiar, com jantares luxuosos, reuniões em mansões, com farta bebida e gastronomia voluptuosa - as reuniões são completadas por casamentos, filhos, amantes, mentiras, extorsões de todo o tipo, lesões e mortes numa mistura caótica -, a gente percebe que, por mais atrativa que seja a vida fácil, ela é acompanhada de um tipo de perigo que parece sempre pronto a bater a porta. Com um ritmo frenético que se alterna com algumas sequências mais contemplativas, o filme utiliza a sua fotografia granulada e a trilha sonora recheada de standards e de clássicos do rock para transformar o filme em um legítimo representante da cultura pop noventista. Com seis indicações ao Oscar e uma vitória no Festival de Veneza - o diretor recebeu o Leão de Ouro -, a película fortaleceria o nome Martin Scorsese como uma espécie de selo de qualidade cinematográfico. O tema da máfia retornaria com Cassino (1995) e, mais recentemente, com O Irlandês (2019). Todos apontando a vida de fora-da-lei como uma saída em que o sofrimento é praticamente inevitável.

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