sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Cine Baú - Pacto Sinistro (Strangers On a Train)

De: Alfred Hitchcock. Com Robert Walker, Farley Granger, Kasey Rogers e Ruth Roman. Suspense, EUA, 1951, 101 minutos.

É provável que Pacto Sinistro (Strangers On a Train) tenha sido o responsável por fazer as mães do mundo recomendarem a seus filhos não "conversar com estranhos". Afinal de contas, é de um diálogo fortuito dentro de um trem, entre dois desconhecidos, que se desenrola um dos mais sufocantes filmes de Alfred Hitchcock. Baseada em livro da escrito Patricia Highsmith, a trama tem início quando o tenista Guy Haines (Farley Granger) é abordado por um certo Bruno Anthony (Robert Walker, em caracterização inesquecível), em meio a uma viagem de trem. Bruno está familiarizado com a crise que envolve a vida privada de Guy, que pretende se divorciar de Miriam (Kasey Rogers), com quem mantém um relacionamento infeliz. Nos tabloides, ele já foi fotografado com Anne (Ruth Roman), filha de um proeminente senador local. Bom, a vida pessoal de Guy é um desastre, mas a de Bruno não é diferente: é atormentado por um pai opressor e por uma mãe omissa.

Na sequência da conversa, Bruno, em tom afável, sugere o que seria o crime perfeito: uma troca de assassinatos em que ele daria cabo da vida de Miriam, ao passo que Guy mataria o seu pai. Sem nenhuma conexão entre si, ambos jamais seriam suspeitos do delito cometido um pelo outro. Apesar do tom incisivo e galante de Bruno, Guy não dá bola para os seus devaneios. Leva na flauta - aquela flauta que nos faz ignorar os "malucos do trem", que vagam por aí. Só que, inesperadamente, Bruno leva a sério a conversa, mata Miriam após uma perseguição sórdida em um parque de diversões, e passa a perseguir Guy com a intenção de fazer com que ele cumpra a sua parte do acordo. E, como se não bastasse tudo isso, Guy passa a ter de conviver com investigadores de polícia colados nele - afinal de contas, ele é um dos principais suspeitos do assassinato de sua ex-mulher (especialmente após uma discussão em que esta lhe nega o pedido de divórcio, pouco antes de morrer).


Será desse jogo de gato e rato entre esses dois homens - com a polícia perdida no meio - que Hitchcock extrairá a beleza dessa película, que aposta no suspense psicológico. Aliás, como quase sempre ele fazia, estamos diante do homem comum, com suas angústias, fraquezas e aspirações. Tão vilão quanto Bruno, Guy, um sujeito machista e adúltero assiste as consequências de suas atitudes tomarem inesperados caminhos. E o Mestre do Suspense parece se divertir com isso, atormentando o protagonista a cada aparição macabra de Bruno, que pode surpreender Bruno em meio a uma penumbra no meio da rua ou no topo de uma escadaria, em uma cena de arrepiar. A fixação doentia de Bruno - que, claramente, tem problemas psicológicos - é tanta que, em uma das melhores (e mais tenebrosas) sequências uma plateia assiste animadamente um jogo de tênis, enquanto o sujeito olha fixamente para Guy - e o movimento de câmera realizado por Hitchcock nessa cena, é não menos do que magistral.

Levando o conceito de perseguição até as últimas consequências, o diretor ainda nos brinda com uma série de imagens inesquecíveis. Do assassinato "visto" pela lente dos óculos da principal vítima, passando pela "cena do cachorro" dentro da casa de Bruno, até chegar a sequência final com um carrossel desgovernado em movimento enquanto Bruno e Guy brigam, não são poucos os momentos em que nos vemos arrebatados, tensos, apreensivos. Com uma trilha sonora capaz de tornar até mesmo as notas circenses da música ambiente de um parque de diversões em algo sombrio, o filme ainda passa de raspão pela temática dos pais opressores que gestam filhos com severos problemas psicológicos - e se há um pecado na obra, é o fato de este aspecto da personalidade de Bruno, bem como suas motivações criminosas, não ter sido ainda melhor trabalhado. Ele é o vilão principal, e apenas isso. Lançado no mesmo ano de Um Lugar ao Sol, Sinfonia em Paris e Uma Rua Chamada Pecado, Pacto Sinistro foi, como de praxe, completamente esnobado pela Academia, no Oscar do ano seguinte. Nada que apagasse o brilho de mais essa inesquecível produção.

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