Foi com um estilo vigoroso, fruto de um cinema pulsante, que o mexicano Alejandro González Iñarritu nos apresentou, em sua estreia, a sua visão de um mundo violento, bruto, individualista e de uma sociedade que parece permanentemente no limite do conflito. Amores Brutos (Amores Perros) também inaugurou aquele modelo que se repetiria em alguns de seus filmes seguintes - antes do sucesso em Hollywood com Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) (2014) e O Regresso (2015): o do roteiro com histórias distintas que se cruzam para formar um painel maior a partir de um pequeno recorte do microcosmo social. A questão dos "cachorros" do título original não é por acaso: nas três narrativas que se intercalam, o animal surge praticamente como uma figura central, guiando às personagens em suas mais diversas decisões, o que também modificará suas vidas, suas rotinas, gerando conflito, caos, desordem.
A primeira das três histórias é também a melhor: nela, o jovem Octavio (Gael Garcia Bernal) tem um caso com Susana (Vanessa Bauche), a mulher do irmão - com quem vive as turras -, ao mesmo tempo em que inscreve o corpulento (e premiado) cachorro Cofi para participar de rinhas clandestinas de cães. A ideia, nesse esquema, é juntar dinheiro para fugir com a cunhada, livrando-a do irmão violento. A segunda história migra para o universo das classes mais abastadas, contando a história da modelo Vanessa (Goya Toledo), que vive um casamento midiático de aparências e sofre um acidente que lhe deixa em uma cadeira de rodas. Em seu apartamento recém mobiliado, acaba "perdendo" o seu cachorro em uma espécie de buraco existente no piso: sem possibilidade de resgatá-lo, ainda sofre com o choro angustiante do animal, incapaz de livrar-se da armadilha, em um tipo de narrativa que, curiosamente, se torna claustrofóbica, sufocante.
A última história, é também a mais misteriosa: nela o ex-guerrilheiro comunista El Chivo (Emilio Echevarria) atua como matador de aluguel, após uma temporada na prisão. Como morador de rua, possui vários cães que lhe acompanham. Já no começo do filme, entra em conflito com um grupo que participa das rinhas de galo. A história evoluirá para o acidente que deixará Vanessa impossibilitada de seguir sua carreira profissional e que, no fim das contas também envolve Octavio e o próprio Chivo, que resgatará um Cofi a beira da morte. Utilizando a estrutura do roteiro e montagem dinâmica, Iñarritu construirá um filme em que traições, brigas, sangue e vísceras se desnovelarão em cadeia, mostrando o que de pior pode haver em uma sociedade em desequilíbrio, em que a felicidade depende exclusivamente da beleza e do dinheiro e em que as pessoas não hesitarão em utilizar a violência para alcançar aquilo que desejam. Nessas horas não haverá família, mãe, filhos ou o que quer que seja na frente: haverá apenas a cegueira da busca dos objetivos, custe o que custar.
Nesse sentido, a obra pode até soar um pouco dura e não tão adequada para todos os paladares. Com cachorros sofrendo as mais variadas violências, o filme teve de contar com letreiros que indicavam que nenhum cão havia se ferido nas gravações, tamanho o realismo empregado. E se a câmera do diretor é eventualmente urgente, quase em estilo documental, há que se saudar a organização do roteiro, que vai desvendando aos poucos os "segredos" de cada um daqueles que assistimos. Não há mocinhos e bandidos, afinal: Octavio parece estar fazendo o bem, mas... a que custo? E o que dizer do "bem-feitor" de Vanessa, Daniel (Álvaro Guerrero), que abandona a família pelo sonho de um casamento estrelado? El Chivo tentará representar a redenção em todo esse espectro: mas ele também tem fantasmas dentro do armário e dores difíceis de serem curadas. Vencedor do prêmio da Seamana dos Críticos, em Cannes, o filme foi uma bela porta de entrada para um dos mais respeitados diretores da atualidade - inclusive nos Estados Unidos. O que, certamente, não é pouco.
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