sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Picanha em Série - After Life (Vocês Vão Ter Que Me Engolir)

Mais recente parceria do humorista britânico Ricky Gervais com a Netflix, a minissérie After Life - que recebeu no Brasil o horroroso subtítulo "Vocês vão ter que me engolir" - traz o criador da série The Office interpretando Tony, jornalista que, após perder a esposa vítima de câncer, vive um doloroso processo de luto onde a depressão decorrente torna sua existência - e das pessoas que o rodeiam - praticamente insuportável.

Quem conhece Gervais sabe que seu humor cáustico nem sempre é palatável, e não é surpresa ele usar um tema tão pesado para fazer suas piadas politicamente incorretas. No entanto, o que temos aqui é uma alta carga dramática com algumas pitadas de humor agridoce. Sim, há piadas que, não fosse a total liberdade dada pela Netflix a seu criador, jamais sairiam do papel - como aquela envolvendo uma criança, por exemplo. Já outras, envolvendo pessoas que fazem de tudo para "virar notícia" a serem publicadas no jornal da cidade, são absolutamente hilárias - e não cabe aqui revelá-las para não estragar parte do prazer em assistir à série.


Em episódios de vinte e poucos minutos somos apresentados a diversos personagens que, assim como nós, são influenciados pelo comportamento niilista e amargurado de Tony: o carteiro, o entregador de jornais viciado em drogas, uma "profissional do sexo", o pai portador de Alzheimer e a enfermeira que o cuida na casa geriátrica, seus colegas de trabalho, o chefe/cunhado, um terapeuta pouco convencional, o sobrinho, a viúva que sempre está no cemitério junto ao túmulo de seu marido, um homem com problemas mentais, dentre outros - galeria esta que me fez lembrar de filmes como Short Cuts e Magnólia, por exemplo. Mesmo não estando presente em "carne e osso", a personagem da esposa proporciona alguns dos momentos mais tocantes e divertidos da narrativa como, por exemplo, onde ela aparece em vídeo dando "instruções" para que o marido leve a vida adiante, e naqueles onde Tony aplica "pegadinhas" em sua amada - o que serve também para revelar o senso de humor peculiar do sujeito e também a relação entre os dois, algo importante para demonstrar a dimensão da perda e o porquê do mesmo tomar atitudes tão extremas e desesperadas.

Provavelmente o trabalho mais ambicioso de Gervais até o momento, After Life acerta o tom ao tratar de temas delicados e universais, demonstrando um enorme coração e muito carinho por seus vulneráveis personagens (muitos deles vivendo à margem da sociedade, diga-se). Quem segue o humorista pelas redes sabe de seu ativismo e seu apreço pelas pautas progressistas, o que certamente influencia no resultado e nas várias reflexões que, se por vezes parecem tropeçar em um sentimentalismo exagerado, na maior parte do tempo emocionam e instigam. Ademais, a trilha sonora que possui Elton John e Lou Reed - pra ficar só nestes dois - é boa pra caramba. Extrair gargalhadas e sorrisos das tragédias cotidianas é mais uma prova da importância do humor e da arte como catarse, tornando a existência algo menos doloroso para que, através da empatia, possamos cada um organizar a própria casa. E a partir disso, quem sabe, influenciar aqueles que estão ao redor.

  "A society grows great when old men plant trees, the shade of which they know they will never sit in."


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