Normalmente ocorre um efeito meio curioso quando assisto um filme de época: costumo achar que não vou gostar da experiência e, quase invariavelmente, eu gosto. Penso que filmes como esses, guardadas todas as proporções e diferenças de estilo, são mais ou menos como as distopias científicas: nos jogam para um outro tempo - nesse caso o passado, no caso das ficções, o futuro -, para refletir TAMBÉM sobre os nossos dias, sobre a atualidade. Nos filmes de época, por exemplo, a aristocracia ou as classes mais abastadas costumam ser retratadas como um coletivo de pessoas fúteis, individualistas, que vivem uma existência de aparências e de ambições sociais. Nas ficções científicas muitas vezes se sobressaem preconceitos, xenofobia e racismo em um cenário de caos e de contrastes sociais gritantes. Nos dois casos, há diferença para os dias de hoje? A burguesia não segue sendo frívola e vaidosa? Aqueles que se consideram superiores, não seguem com a sua caçada de "replicantes" ou daquilo que não é padrão?
Bom, com Emma (Emma) não é diferente: é o filme de época na tradição do estilo. Baseado em um livro da escritora Jane Austen, que já havia sido filmado anteriormente, em 1996 (uma película não tão boa, mas com ótimo elenco de nomes como Toni Collette e Gwyneth Paltrow), a obra reúne elementos tradicionais do formato - da burguesia tosca e arrogante, passando pelos belos cenários e figurinos, até chegar aos diálogos corrosivos e degradantes. Na trama, temos uma jovem riquinha, linda, de bons modos - a Emma do título (vivida por Anya Taylor-Joy) -, que, após "perder" a sua dama de companhia (Gemma Whelan) que se casará com um viúvo (Rupert Graves), resolve encarnar a "casamenteira", juntando pares, aproximando e afastando pessoas, manipulando comportamentos. Acreditando ser a cupida ideal para a jovem Harriet Smith (a ótima Mia Goth), ela acaba transformando a moça em uma simples distração: intervém nos seus sentimentos, a controla e a induz, inclusive, a cometer erros no campo amoroso.
O caso é que Emma é uma solteira convicta: e parece determinada a tomar decisões por outras pessoas que trafegam pelos jardins e pelos castelos da aristocracia. Orgulhosa, não concebe a ideia de formar par com aqueles que não estejam no mesmo extrato social. E tenta influenciar figuras como Harriet a fazer o mesmo, ignorando completamente o fato de que, sim, podem haver outros valores para além da beleza ou da conta bancária a serem levados em conta na equação que resultará em um possível matrimônio. Seu confidente, um certo Sr. Knightley (Johnny Flynn) tenta fazer de tudo para que ela perceba isso. Mas a sua arrogância cega e o seu comportamento fútil parecem estar sempre no limite de lhe levar a ruína. Sensação ampliada pelo ciúme quase doentio que ela sente pela jovem Jane Fairfax (Amber Anderson), moça de família humilde e pela paixão pouco correspondida pelo empolado Frank Churchill (Callum Turner). O que, no fim das contas forma o combo que é um verdadeiro convite para que as coisas saiam errado.
Trata-se, no fim das contas, de uma obra que alterna momentos mais leves ou graciosos, com outros em que a emoção fala mais alto. Do ponto de vista técnico a obra da diretora estreante Autumn de Wilde é um primor - e eu até me surpreendi um pouco pelo fato de ela ter sido completamente esnobada em categorias como Desenho de Produção e, especialmente, Figurino, no último Oscar. É tudo muito exuberante. Os ambientes, tanto externos, quando internos, são suntuosos, imponentes, dando conta da condição de riqueza bruxuleante com que aqueles pessoas convivem (e conviviam) à época - o que talvez explique o deslumbramento e a pompa. De roupas, de penteados, de objetos cênicos, de decorações. De gastronomia, claro! O senso de humor que parece debochar o tempo todo desse ambiente aristocraticamente alienante - as "coreografias", caras e bocas dos serviçais são um achado -, dá conta da grande força da película: o de fazer a crítica a um tipo de existência em que somente o alpinismo social parece fazer sentido e em que pessoas sem muito dinheiro (ou mesmo com menos educação), são consideradas inferiores. Bom, os tempos não mudaram. Figuras dolorosas como Emma seguem existindo naquelas casas encasteladas dos bairros nobres de sua cidade. Manipulando, fofocando, interferindo. Pode ter certeza.
Nota: 8,0
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