segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Cinema: O Regresso (The Revenant)

De: Alejandro González Iñárritu. Com: Leonardo DiCaprio, Tom Hardy e Domhnall Gleeson. Drama/Aventura, EUA, 2015, 156 minutos.

Uma das maravilhas da Sétima Arte é conseguir nos transportar a lugares e situações que comumente não vivenciaríamos, fazendo-nos imergir em paisagens variadas ao experimentarmos diversos sentimentos no conforto da poltrona do cinema ou de nossos lares. Algumas obras são mais do que apenas uma história a ser contada, nos tirando da zona de conforto ao proporcionar uma verdadeira experiência sensorial. É assim nos filmes de diretores como Stanley Kubrick, Terrence Malick, David Lynch e Nicolas Winding Refn - para ficar nos primeiros exemplos que me vem à mente - e é o caso agora do oscarizado diretor mexicano Alejandro González Iñárritu, do sensacional Birdman (ou A Inesperada Virtude da Ignorância), com o recém chegado O Regresso (The Revenant).

O filme conta a história (inspirada em fatos reais) de Hugh Glass (DiCaprio) que, em 1823, serviu de guia em uma expedição de caçadores de peles em terras indígenas americanas e que, após ser atacado por um urso, foi deixado à mercê da própria sorte pelo integrante John Fitzgerald (Hardy) - que deveria zelar pelo bem estar de Glass dando um enterro digno para o ferido em seus últimos momentos, visto que este não conseguiria acompanhar a expedição com os demais integrantes. No entanto, com medo de ser alcançado pelos índios e portador de uma antipatia prévia pelo seu parceiro, Fitzgerald (que seria pago pelo serviço) decide não esperar pela morte de seu compatriota, deixando-o agonizando em uma cova coberta com terra - além de ser responsável por uma tragédia envolvendo o filho de Glass (fruto de seu relacionamento com uma indígena, cuja aldeia foi dizimada por caçadores brancos). Movido pelo instinto de sobrevivência, o personagem (interpretado de forma visceral e arrebatadora por DiCaprio) consegue resistir às adversidades, partindo em uma jornada épica em busca de vingança.


Que Iñárritu nunca foi de facilitar a vida para os espectadores não é novidade - é só lembrar de obras intensas do diretor como Amores Brutos, 21 Gramas e Babel para termos uma noção do impacto que o mesmo gosta de deixar em seu público. Mas aqui o buraco é ainda mais embaixo: ao colocar o homem lutando solitariamente contra a natureza inóspita (e humana) o diretor mexicano nos transporta para uma jornada impactante repleta de violência, angústia, tristeza e desesperança. Ao repetir a parceria com o diretor de fotografia Emmanuel Lubezki (A Árvore da Vida, Gravidade), Iñárritu alcança aqui um resultado sublime e de apuro técnico sem precedentes, com seus já característicos planos-sequência coreografados. Ao optar por filmar apenas utilizando luz natural (aos moldes de Kubrick no clássico e belíssimo Barry Lyndon), a obra ganha uma aura terrencemalickiana ao também capturar paisagens de tirar o fôlego de geleiras e florestas em contraponto à violência gráfica de determinados momentos, imprimindo um realismo poucas vezes visto no cinema - e que me remeteu ao filme O Guerreiro Silencioso, do também supracitado Nicolas Winding Refn.

Muito se falou das dificuldades que a equipe passou durante as filmagens, inclusive do preciosismo de seu diretor, o que teria transformado a produção em um verdadeiro inferno - e que nos remete à obras como Apocalypse Now (de Francis Ford Coppola) e Aguirre, a Cólera dos Deuses (de Werner Herzog), notoriamente conhecidas pelos problemas no set de filmagem. Verdade ou não, é preciso que se diga que os desafios enfrentados refletiram nas brilhantes atuações do elenco: DiCaprio conseguiu aqui imprimir toda a dramaticidade e dor de seu personagem em sua expressão física (o mesmo tem poucos diálogos) e será um milagre se desta vez a tão famigerada estatueta dourada não vá parar na mão do talentoso ator. Por outro lado, Hardy faz um antagonista à altura ao encarnar Fitzgerald como um homem ganancioso e cruel, porém com motivações próprias - e sua repulsa aos indígenas não soa caricata ao descobrirmos mais sobre seu passado e suas motivações, além, é claro, de sua busca pela sobrevivência em um mundo de constante luta e ameaça.

Recordista de indicações ao Oscar 2016 (12 categorias), O Regresso é um filme de roteiro simples, sem grandes enredos ou reviravoltas. Apesar de pecar aqui ou acolá pela falta de sutileza em sua mensagem crítica ao genocídio indígena pelos imigrantes, é uma obra de qualidade técnica inquestionável - são vários os momentos em que me peguei perguntando: como filmaram isso? - e onde tudo funciona incrivelmente bem (penso que o ritmo lento, arrastado, seja necessário para o que se propõe). Contra-indicado a pessoas sensíveis e longe de deixar uma sensação agradável em quem sair da sessão, o filme é mais uma amostra de como o cinema é capaz de nos transportar a lugares onde nunca pensaríamos estar e, por isso mesmo, O Regresso é uma experiência marcante que ficará muito tempo na memória de quem a vivenciou.

Nota: 9,0


Um comentário:

  1. Hoje, 24/06/2020, é um dia triste: acabei de assisti ao filme e me vejo completamente arrebatado e arrependido por não ter olhado essa maldita OBRA DE ARTE antes.

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