quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Cinema - Cinco Graças (Mustang)

De: Deniz Gamze Ergüven. Com Günes Nezihe Sensoy, Doga Zeynep Doguslu e Elit Iscan. Drama, Turquia / França / Alemanha, 2015, 93 minutos.

Existe uma cena que talvez resuma à perfeição o cerne do debate proposto pelo singelo Cinco Graças (Mustang), indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro pela França: em certa sequência os homens são proibidos pela Federação Turca de Futebol - a ação do filme se passa no País - a comparecerem ao próximo jogo do Trabzonspor, após uma confusão no estádio que envolveu violência entre torcidas, brigas generalizadas e selvageria no estádio. Assim, em uma daquelas raras decisões, apenas as mulheres estarão autorizadas a participar da próxima rodada, ocasião em que aproveitarão para, em lugar tipicamente ocupado por homens, fazer uma bela festa, com clima otimista, enérgico, colorido e vibrante. E, o melhor: sem nenhuma preocupação de serem tratadas de maneira diferente, com piadinhas, assédios ou comentários machistas de qualquer tipo.

Mas essa certa "liberdade" - fruto de uma certa "ocidentalização" que vem ocorrendo na sociedade turca nos últimos anos e que vem equilibrando (a passos de tartaruga), a igualdade entre gêneros - ainda é uma realidade muito distante das pequenas comunidades, especialmente as do interior. Nesses locais impera a lógica (ou falta de) de que "campo de futebol não é lugar pra mulher". E de que as moças não nascem e crescem para terem privilégios de qualquer tipo, sendo ainda tratadas, em uma sociedade puramente patriarcal, como aquelas que serão submissas ao marido - em casamentos, muitas vezes, arranjados. Que cumprirão seu papel de dona de casa, cozinhando, lavando, passando roupa, costurando. Estudar? Nem pensar. Trabalhar? Nada. É papel do homem prover o sustento. À mulher cabe deixar a casa limpa e arrumada, fazer a comida, cuidar dos filhos. Jogo de futebol é pela TV e olhe lá - já que o programa ideal para alguém do sexo feminino é a novela.


É nesse contexto de opressão que somos apresentados as cinco protagonistas da história - no caso as "cinco graças" do título em português. Um quinteto de irmãs órfãs que estudam e são cuidadas pela avó em uma vila distante centenas de quilômetros da "evoluída" Istambul. No começo do filme, o colégio está entrando em férias, então os estudantes aproveitam as horas de folga para curtirem a praia, de forma descontraída, despretensiosa, quase ingênua. Mas esse tipo de comportamento - rapazes e moças tomando banho de mar e brincando juntos - é visto como depravação pela conservadora comunidade, repleto de mulheres vestidas de túnicas "cor de merda" e de homens que não hesitam em destilar todo o seu machismo, travestido de preocupação em relação ao que os demais pensarão sobre um grupo de garotas "pervertidas" - que no fim, é preciso que se diga, só quer curtir a juventude, sem que essa se constitua como uma espécie de prisão.

Só que é justamente em uma prisão que elas passarão a morar, conforme os dias e semanas passarem e as suas pequenas subversões - sejam elas a a fuga para a assistir a uma partida de futebol ou para um encontro secreto com um candidato a namorado - aumentarem. O que, invariavelmente, ampliará o senso de impotência não apenas das meninas - que tem na faixa de 10 a 17 anos - mas de quem assiste a película e vê os muros e as grades se tornando obstáculos cada vez maiores, que funcionarão como uma excelente metáfora para a liberdade cerceada. Ainda que a obra se passe na atualidade, computadores e celulares também são confiscados na prisão domiciliar em que as jovens vivem. O que praticamente impedirá, pasmem, o seu contato com o mundo exterior - o que é feito, infelizmente com a conivência das mulheres mais velhas, que também contribuem para esse trágico processo, talvez, em muitos casos, calejadas por já terem também vivenciado tudo aquilo.



Não fosse o elenco absolutamente carismático (a interação entre as meninas é divertida e naturalista) e talvez a obra da diretora Deniz Gamze Ergüven, não tivesse a mesma força - e quando você perceber estará torcendo muito para que as coisas ocorram da melhor maneira possível para as protagonistas. [SPOILER ALERT: se você ainda não viu o filme e não quer ter nenhuma surpresa estragada recomendamos que pare a leitura por aqui] Há segredos familiares que vão sendo descortinados aos poucos e que aumentam a sensação de impotência em relação a situação vivida pelas moças - sendo a violência e até mesmo a morte praticamente inevitáveis. Em uma época que tanto se debate a igualdade de gêneros em nosso País - que muitas vezes, dadas algumas "vozes" que se ouve por aí, até parece mais atrasado que a Turquia (aliás, uma das notícias do dia, em Porto Alegre, dá uma pequena mostra disso) - um filme como Cinco Graças, gracioso até no título, tem a sua importância ainda mais ampliada.

Nota: 9,0

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