quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Disco da Semana II - Matheus Brant (Assume Que Gosta)

Pra fazer a resenha do segundo disco do mineiro Matheus Brant não tive contato com o encarte do registro, intitulado Assume Que Gosta. Mas é preciso que se diga que não haveria nenhum equívoco, se, as vésperas da maior festa do nosso País, o álbum viesse com um subtítulo em forma de pergunta: e quem foi que disse que hipster não pode gostar de carnaval? Arrocha, axé, pagode, marchinha, sertanejo e outros estilos populares, formam a base do grande caldeirão de referências promovido pelo artista, que, aos moldes de outros de sua geração - como os divertidíssimos Rafael Castro e Jaloo (ambos na nossa lista de 25 Melhores Discos de 2015) - combinam ritmos reconhecidamente mais comerciais, com guitarras, violões ao estilo MPB, bateria bem marcada, psicodelia, dub e toneladas de sintetizadores. Algo capaz de jogar o trabalho para uma linha limítrofe entre a apresentação no programa do Faustão e a aparição em festivais de música alternativa Brasil afora.

Já na abertura do disco, Brant parece convidar os ouvintes a se despirem dos preconceitos, aproveitando o ensejo para fazer uma brincadeira no estilo entra no clima que tu vai te divertir. "Assume que gosta de mim assim / Assim como gosta de um pagodinho / Me beija", brinca o cantor na inaugural canção homônima, em meio a sintetizadores ensolarados e bateria ritmada. Mesmo estratagema é adotado na música seguinte, sugestivamente chamada de A Levada do Arrocha: "Você fala que não gosta da levada do arrocha / Mas quando toca nem nota seu quadril querendo ir". É o regionalismo e o indie se encontrando. Se abraçando. E se querendo, como provam as letras absolutamente sacanas e divertidas, mas sem perder a ternura, como na excepcional #Magrela: "Vi a batata da perna dela / Quando pisa no pedal". Acredite: é muito provável que, a essa hora, você já esteja dançando feito doido na sala.


Ainda assim, caso você ainda não tenha se impressionado até a guitarrística e oitentista Hoje o Dia É Seu - e isso que no meio do caminho tem a regravação ultrapop de Abandonado, do Exaltasamba -, o "Lado B" aparece pra colocar no jogo aquele sujeito mais desconfiado - e apostando num estilo mais direto de diálogo. A Balada é sertanejão universitário de primeira - sim, acredite, mas daquele universitário meio CDF, que se conste - e que não faria feio em programas do segmento (alô Rudimar Piccinini!). Carnaval é daquelas marchinhas deliciosas, com letra autorreferencial, que bem poderiam estar no disco III do Maglore. Sereia e Me Namorar mantém o clima ensolarado, festivo e sacana até a chegada da maravilhosa Pagode, simplesmente a melhor faixa do disco e grande candidata a música do ano (nem que seja aqui no Picanha!). Dançante, popular, divertida e com letra espertíssima, parece resumir em uma faixa o clima que permeia todo o registro. O fechamento com a ótima Marchinha Francesa e as versões em dub do americano Victor Rice garantem a empolgação até o último segundo da audição.

Brant é advogado de formação e escritor e quando lançou o EP A Música e o Vazio no Trabalho, em 2014, o fez como complemento para a sua dissertação de mestrado - material que compila reflexões jurídicas com base na obra de Hannah Arendt. Nesse sentido, portanto, não é difícil perceber como a bagagem cultural contribui para a fruição de sua criação, que é simples apenas na aparência, já que as melodias, as letras e os arranjos, como um todo, guardam certa complexidade. Participações especialíssimas - como a do baterista Lenis Rino (Fernanda Takai), dos guitarristas Dustan Gallas (Cidadão Instigado) e João Erbetta (que faz parte da banda de apoio de Marcelo Jeneci) e dos produtores Fábio Pinczowski e Mauro Motoki (Lucas Santtana e Siba) garantem exuberância e consistência para a obra. Assim como as presenças das cantoras Juliana Perdigão e Luê que contribuem com o registro. Lançado estrategicamente, ou não, pouco antes do carnaval, Assume que Gosta - com sua capa festiva e purpurinada - consegue fazer com que os alternativos tenham um disco no gênero pra chamar de seu. O que não é pouca coisa.

Nota: 8,5

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