terça-feira, 14 de julho de 2015

Cine Baú - Os Incompreendidos

De: François Truffaut. Com: Jean-Pierre Léaud, Claude Maurier e Albert Rémy. Drama, França, 1959, 99 minutos.

Disse Truffaut, por ocasião do lançamento de seu primeiro filme, Os Incompreendidos (Les Quatre Cents Coups), o seguinte: a adolescência é uma fase reconhecida pelos educadores e sociólogos, mas negada pelo família e pelos pais [...]. O mundo é injusto, então é preciso se virar: faz-se o que se deseja, mesmo que isso seja proibido. A frase resume bem o espírito da película, tida por muitos estudiosos como o marco inicial do movimento conhecido como Nouvelle Vague - ao lado de Acossados, de Jean-Luc Godard, lançado também em 1959. (Aliás, um dos anos mais espetaculares da história do cinema, sendo também desse período os clássicos Intriga Internacional, Quanto mais Quente Melhor, Anatomia de Um Crime, Ben-Hur, Pickpocket - O Batedor de Carteiras, Hiroshima Meu Amor e A Um Passo da Eternidade. Isso só pra citar alguns!)

Com ares autobiográficos, a película conta a história do jovem Antoine Doinel (Léaud), garoto negligenciado pelos pais, que também não encontra na autoritária escola que frequenta, o lugar ideal para ocupar a sua mente cheia de ideias. A alternativa passa a ser matar aula para, ao lado do melhor amigo, fazer outras coisas, como ir ao cinema ou ao parque de diversões. Em uma de suas andanças, Julien flagra a mãe com um amante, em plena rua. A situação piora quando, para justificar a sua ausência da escola, o rapaz diz que sua mãe morreu. Mentira que será descoberta mais tarde, tornando a situação ainda mais catastrófica. Após fugir de casa e se desentender com um professor por, aparentemente, "plagiar" uma obra de Balzac, o menino passa a viver de pequenos roubos.


Em uma época em que tanto se discute, no Brasil, a redução ou não da maioridade penal, a obra de Truffaut, impactante para o contexto político da França na época, quase deveria ser filmografia básica para os nossos representantes do Congresso Nacional. Julien se torna um "marginal" - aliás, palavra que muitos gostam de utilizar, nem sempre corretamente - simplesmente por estar cansado do autoritarismo da escola - que pouco parece acrescentar com o seu sistema engessado -, e pela total ausência dos pais, mais interessados em suas vidinhas ordinárias do que em educar, adequadamente, o seu filho. A cena em que o jovem é preso, após furtar uma máquina de escrever, sendo "enjaulado" com um preso bem mais velho e que parece estar lá por algum motivo bem mais sério, é emblemática nesse sentido. Isso sem falar no terço final, quando o rapaz vê a sua juventude ser cerceada, justamente pela falta de compromisso de quem mais deveria lhe dar suporte.

Truffaut tinha apenas 26 anos quando filmou Os Incompeendidos, na época fazendo parte do grupo que integrava a publicação Cahiers Du Cinema. Mas, a despeito da juventude, o francês enche a tela com imagens extremamente bem fotografadas - pelo mestre Henri Decaë, que filmou em locação em Paris -, e utilizando o que de melhor poderia ser feito em termos de recursos técnicos, mas sem perder a simplicidade. Não à toa a cena final, que mostra a fuga de Julien em um longo travelling, permanece até hoje no coração de todos os cinéfilos. Truffaut se tornaria ainda mais conhecido quando, mais tarde, filmaria clássicos como A Noite Americana e A História de Adèle H. Mas foi com esse relato pungente sobre a importância da infância na formação do caráter do sujeito - e que rendeu a Truffaut a Palma de Ouro em Cannes como diretor - que o francês apresentou ao mundo o seu impactante cinema autoral. Irretocável.


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