quinta-feira, 16 de maio de 2024

Cinema - Love Lies Bleeding: O Amor Sangra (Love Lies Bleeding)

De: Rose Glass. Com Kristen Stewart, Katy M. O'Brian, Ed Harris, Jena Malone e Dave Franco. Suspense / Romance, EUA / Reino Unido, 2024, 104 minutos.

Quem assistiu Saint Maud (2019), o filme anterior da diretora Rose Glass, talvez se surpreenda com o estilo mais maximalista de Love Lies Bleeding: O Amor Sangra (Love Lies Bleeding), obra que está em cartaz nos cinemas do País. Afinal tudo que o projeto anterior tinha de sutileza e de morosidade na hora de fazer a crítica a respeito dos problemas que decorremdo fanatismo religioso, este tem de exagerado em seu exame de uma sociedade ainda machista, individualista, com pendor pra violência e pouco paciente na hora de efetuar qualquer tipo de negociação. Sangue, suor, lágrimas, excrementos e gozo se misturam em um tipo de cinema que se convencionou chamar atualmente de "cinema do corpo", que é aquele tipo que, a partir de certo experimentalismo, arrasta o espectador para algo mais sensorial do que aquele que se vale apenas do olhar. Algo que, por exemplo, fazem com maestria realizadores como Julia Ducournau e David Cronenberg, com seus body horrors.

Ainda assim o cinema do corpo, lembra a autora Linda Williams, não é apenas o do terror, da palpitação e dos sustos. Sim, em Love Lies Bleeding a gente encontra isso. Mas ele é também o do choro e o tesão, que mobilizam nossos fluídos, que movimentam nossas vísceras. E é preciso que se diga aqui temos a experiência completa nesse sentido. Ao cabo essa é uma obra de closes em corpos, com todo o seu esplendor - como no caso de Jackie (Katy M. O'Brian), que talvez materialize justamente a transformação irracional que sofremos quando nos apaixonamos -, e em rostos, que é onde entra Lou (Kristen Stewart em mais um grande papel), que, de cabelo seboso, se utiliza de seu olhar sempre penetrante e capaz de preencher espaços, para transmitir toda a ansiedade e a angústia diante de uma violência que lhe rodeia, e que talvez esteja pronta a explodir a qualquer momento.


 

Lou herdou uma academia de ginástica da família e é lá que ela conhece e começa a se relacionar com a forasteira Jackie, após um encontro improvisado, ainda que jamais fortuito entre as duas. Jackie, com seu corpo vigoroso, está vindo de Oklahoma, se prepara para um torneio de fisiculturismo, e encontra abrigo no local. Por uma daquelas coincidências, ela arruma um emprego em um clube de tiro chefiado justamente pelo pai de Lou (Ed Harris) - um sujeito tão repulsivamente palpável em sua combinação de caipira norte-americano reacionário com idoso decadente que votaria facilmente no Trump (ou em Bush), que é quase impossível não sentir asco. O que é reforçado pela sua aparência de tiozão acampado na frente do exército com sua cara oleosa e cabelos longos, mesmo sendo calvo, e a grande propensão para golpes no mercado negro de armas. Esse ambiente "família" é completado pelo violento JJ (Dave Franco), o cunhado de Lou, que tem o hábito agredir a irmã Beth (Jena Malone). É claro que em um cenário tão cáustico que mistura violência doméstica, clubes de tiro, academias anabolizadas, amor lésbico e tentativas de fuga a chance de a coisa sair do controle é grande. Pra alegria do espectador. 

Em linhas gerais Rose Glass não se intimida na hora de evidenciar seu ponto. Lou pai e JJ, por exemplo, são apresentados como os machos torpes e misóginos que, atualmente, ocupariam com tranquilidade os fóruns online de redpills ou os 4chans da vida - e o fato de o cenário ser alguma pequena cidade do Novo México rural e conservador, ajuda nessa composição. Só que aqui estamos nos anos 80 e, é preciso que se diga, esse aspecto também fornece certo charme à parte técnica, com sua fotografia levemente saturada, as cores vivas e figurino de roupas meio antiquadas. É um conjunto saboroso que olha para o passado para falar do presente de forma alegórica: afinal para que o mundo avance em toda a sua plenitude, talvez seja necessário extinguir certos sujeitos (ou ideias, vá lá) que representem certo atraso na sociedade. Pode parecer meio over em alguns momentos: mas é sexy, divertido e macabro. O odor pestilento parece saltar da tela. E ainda assim não resistimos.

Nota: 8,5


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