terça-feira, 21 de maio de 2024

Novidades em Streaming - Puan

De: María Alché e Benjamín Naishtat. Com Marcelo Subiotto, Leonardo Sbaraglia e Alejandra Flechner. Comédia / Drama, Argentina / Brasil / França / Itália / Alemanha, 2023, 107 minutos.

Vamos combinar que o timing de um filme como o argentino Puan, que está disponível na Amazon, não poderia ser melhor. Com os nossos hermanos recém mergulhados no governo de Javier Milei, a gente já sabe exatamente onde o calo vai apertar - especialmente pela disposição da extrema direita em cortar gastos (ou massacrar mesmo) em setores como o da educação. Aqui, esse cenário mais amplo de desmonte parece rondar o corpo docente de uma Faculdade de Filosofia de Buenos Aires - há protestos marcados e os cartazes com palavras de ordem evidenciam o clima turbulento. E, nesse contexto, talvez não seja nem tão simbólica assim a morte de um professor veterano, ainda na primeira sequência da produção dirigida por María Alché e Benjamín Naishtat, este último responsável pelo ótimo Vermelho Sol (2019). Ocorrência que será o ponto de partida de uma disputa interna bastante particular entre os professores Marcelo Pena (Marcelo Subiotto) e Rafael Sujarchuk (Leonardo Sbaraglia).

Ocorre que Marcelo, por mais competente que seja - afinal dá pra perceber que ele consegue capturar a atenção de seus alunos nas aulas -, parece ter um carisma meio negativo. Em alguma medida ele é um sujeito mais introspectivo, tímido, tanto que, por mais que fosse o braço direito do falecido professor Caselli, se mostra incapaz de dizer uma ou outra palavra na solenidade de despedida e de homenagens ao docente. Já Rafael é o completo oposto: confiante, charmoso e divertido, é daqueles que preenche o espaço com a sua presença. No recital à Caselli menciona Kant em um discurso empolado, presunçoso. Cativa os colegas e os pares. Arranca suspiros das mulheres. Ainda mais quando estas descobrem que o seu retorno à Argentina pode ter a ver com o fato de ele estar namorando a sexy e famosa (e muito mais jovem do que ele) atriz Vera Mota (Lali Espósito). É um páreo duro para Marcelo que, além de tudo, é um azarado da maior espécie, como comprova a cena que envolve, digamos, um bebê.




Nesse sentido, a produção consegue ser divertida e dramática ao examinar a complexidade da conjuntura política da Argentina, a partir de um microcosmo de disputas internas que, vá lá, podem representar até algum tipo de alegoria de colonizador e colonizado (já que Rafael se impõe como o sujeito europeu que retorna às origens, à província, para tomar aquilo que pensa ser seu por mérito), mas que provavelmente tem também a ver com crises existenciais individuais, em meio a questões mais coletivas. Evidentemente que os temas mais macro, ali adiante, irão se sobrepor, especialmente quando o governo cancela o repasse de recursos para as universidades estatais e os professores precisam se unir para que o ensino não fique ainda mais prejudicado - sendo uma das porta-vozes a ativista Vicky (Mara Bestelli), a esposa de Marcelo. De forma lateralizada, a dupla de realizadores ainda joga luz sobre a precarização do mercado de trabalho como um todo, uma vez que Marcelo se ocupa também como professor particular de filosofia para uma idosa.

Pontuado por citações diversas de filósofos como Platão, Hobbes, Rousseau, Sócrates, Kant e outros, o filme aborda de forma jocosa o eventual egocentrismo que circunda o ambiente acadêmico para evidenciar como brigas internas podem ser apenas mesquinhas quando o poder de decisão está nas mãos de um sistema que não favorece o ensino, a arte, a cultura, o conhecimento. Ainda mais quando o assunto é a Filosofia, a Sociologia e outras ciências humanas, que são muitas vezes as primeiras a serem negligenciadas (ou sumamente suprimidas) em um mundo produtivista, que pretende que as pessoas pensem menos sobre aquilo que fazem - e que simplesmente façam mais. Que trabalhem, recebam seus salários e convivam sob o signo da alienação Ao cabo, trata-se de uma obra pequena, mas que tem estofo. E que se fortalece justamente em instantes quase prosaicos, como aquele em que o grupo de professores comenta sobre estarem com seus salários atrasados. Na hora que o bicho pega pro lado precarizado, é difícil não se identificar.

Nota: 8,0


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