sexta-feira, 17 de maio de 2024

Picanha.doc - Bobi Wine: O Presidente do Povo (Bobi Wine: The People's President)

De: Moses Bwayo. Documentário, Uganda / EUA / Reino Unido, 2022, 113 minutos.

"A verdadeira liberdade começa na mudança de mentalidade". Uma obra sobre o poder da arte como veículo de transformação social e como apoio da manutenção da democracia - especialmente diante de ameaça de sistemas políticos autoritários. Assim podemos considerar Bobi Wine: O Presidente do Povo (Bobi Wine: The People's President), filme disponível na plataforma Star+ e um dos cinco indicados ao Oscar desse ano na categoria Documentário. Aqui temos uma obra inspiradora, que mescla as letras poderosas de Wine, um carismático cantor de reggae que faz uma mistura saborosa de ritmos africanos, como o afrobeat e o dancehall, e que começa a chamar a atenção do público, especialmente pelas letras socialmente conscientes que refletem sobre direitos humanos, pobreza, saneamento básico, importância da educação, paternidade responsável e outros temas, sempre com um olhar atento às mazelas do povo de Uganda, seu País de origem.

Nesse sentido, essa é uma produção que nos captura de forma instantânea. Enquanto circula pelas ruas e becos arenosos e miseráveis de uma favela da capital Kampala, o artista passa a arrastar uma multidão de adeptos, que replicam suas músicas e imitam seu estilo. Com certa fama, Wine casa com a filantropa Barbie Kyagulanyi e amplia o olhar político em sua arte, especialmente a partir de meados dos anos 2000, quando a corrupção do governo do ditador conservador de direita Yoweri Musevini aflora. O que se soma ao desrespeito aos direitos humanos e também a tentativa de silenciar qualquer opositor - algo que sempre envolve um pesado aparato militar e uma disposição única para atos de truculência. Em um dos episódios mais traumáticos do País, um protesto que antecederia uma das tantas eleições livres - algo bastante recente, já que entre 1986 e 2005 era proibido o pluripartidarismo em Uganda - vencidas por Musevini, um grupo de civis é morto pelas forças militares, sob a desculpa de serem "terroristas" ou "insurgentes".


 

Enfim, a gente já viu o mesmo papo em ditaduras mundo afora - especialmente aquelas que desejam se manter no poder na base da força (e por mais que a situação do Brasil seja diferente, é simplesmente impossível não pensar no País quando vemos um presidente que utiliza absolutamente toda a máquina pública estatal para tentar permanecer no poder). A diferença é que aqui ainda temos uma democracia, e por mais que já existisse uma minuta do golpe e um bando de alucinados na frente de um quartel, tendo ainda como complemento o maior estelionato eleitoral da história, o projeto mambembe de ditador tropical foi deposto. Em Uganda essa aguardada primavera é mais complexa. E eternamente adiada. Com o voto impresso - sim, que surpresa! -, as chances de fraude aumentam progressivamente. E quando Wine resolve partir pro confronto com Musevini nas eleições de 2021, ele perde por 58% a 34%. Por mais que tudo indicasse o desejo do povo por oxigenar a sua política, depois de CINCO mandatos do déspota.

Com belas imagens de arquivo, a produção dirigida por Moses Bwayo acompanha os movimentos de Wine que, a cada ataque que sofre, dobra a aposta na tentativa de confrontar o poder tirano - e as repetidas fraudes que parecem ocorrer com anuência de um parlamento "comprado", que altera leis para que Musevini se perpetue no poder. Em uma cena chocante, o artista sofre uma frustrada tentativa de assassinato, que resulta na morte de seu motorista. O que não o impedirá de, mais adiante, ser preso por suposta desobediência. Com tudo costurado sempre pelas letras pungentes de Wine e pelos ritmos quentes, que permitem ao mesmo tempo a festa do povo e a consciência (um combo, muitas vezes, ideal). Se há um pequeno porém, acho que falta um pouquinho mais de profundidade a respeito do panorama político do País e sobre quais as plataformas defendidas por Wine, que tanto se dedica aos direitos humanos e às minorias. Um progressista que confronta um reacionário. Aliás, a tônica atual em muitas partes do mundo. Com a arte tendo papel central nesse debate.


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