quinta-feira, 9 de maio de 2024

Lado B Classe A - Keane (Hopes ans Fears)

Sim, a gente sabe que hoje em dia Somewhere Only We Know virou sinônimo de cover de banda folk de branquelo que toca em formaturas e casamentos. Ou mesmo de trilha sonora de comercial de TV de gosto duvidoso. Mas, acredite, essa canção que ainda surge aqui e ali na programação da rádio light que parece meio parada no tempo, foi lançada há 20 anos pelo Keane. VINTE ANOS. Sim, não parece que já se vão duas décadas desde que Hopes and Fears, o disco de estreia dos britânicos, veio ao mundo. E, vá lá, talvez fossem tempos muito simples aqueles em que um grupo composto apenas por um vocalista (Tom Chaplin), um pianista e tecladista (Tim Rice-Oxley) e um baterista (Richard Hughes) conseguisse alcançar algum sucesso. Mas foi o que aconteceu naquele distante 2004 - a despeito da nota baixíssima concedida pela Pitchfork e das inadequadas comparações com o Coldplay (até mesmo porque, vamos combinar, o Keane é muito melhor).

Os detratores gostam de falar dos exageros dramáticos, eventualmente excessivos - que parecem elevar toda e qualquer canção a uma espécie de catarse catapultada por um refrão sempre voluptuoso, entoado em um falsete milimetricamente calculado de Chaplin. E, assim, esquecem a melhor parte: a de que o Keane faz música direta, sem firulas, cantando coisas do coração que só nas aparências soam óbvias. Com tudo se projetando maior do que parece, entre pontes bem posicionadas e estrofes magnéticas, capazes de transformar a voz suavemente vigorosa do vocalista em algo maior do que a vida. Tomemos como exemplo o single This Is The Last Time, um dos grandes momentos do álbum. Em entrevistas de divulgação Rice-Oxley explicou que ela é uma canção sobre "sentir uma enorme quantidade de afeto por alguém e, no entanto, não ter aquela faísca mágica que faz alguém se sentir apaixonado". É sobre ter um vínculo com alguém, gostar da pessoa, mas mesmo assim ir embora. 

 


 

E, vamos combinar, que essa atmosfera comovente, quase teatral e de romance torto - de se sentir confortável com alguém e não querer machucar essa mesmo pessoa ao simplesmente deixar essa pessoa pra trás - que se sobressai no conjunto, parece tornar tudo melhor. Ou seja, é o contrário do que dizem os críticos, justamente porque a emoção parece se esparramar da alma. Dos sintetizadores cheios de camadas. Dos vocais épicos. Sim, são músicas de amor, repletas de versos sobre perdas, incertezas, medos, frustrações. Mas onde na música popular que a coisa não foi assim? Onde, no trabalho de uma Taylor Swift ou de uma Olivia Rodrigo que as coisas do coração não ganharam corpo? Onde que uma música linda como She Has No Time parecerá menor, só porque os versos sobre amores não correspondidos soam em alguma medida brega ou até meio kitsch (Você acha que seus dias são comuns / E ninguém nunca pensa em você / Mas somos todos iguais)?

Ás vezes eu me pergunto se haveria uma segunda chance pro Keane - ao menos em termos de crítica - se, paradoxalmente, esse disco fosse lançado nos dias de hoje e não vinte anos atrás. Se não houvessem as inevitáveis comparações com Clocks ou com qualquer coisa que um Coldplay já acenando para a decadência vinha fazendo naquele período. Com o britpop já tendo sido devidamente reinventado pelo Radiohead. E com o rock inglês tomando um outro caminho, com a ascensão de coletivos como Franz Ferdinand, o Libertines e o Arctic Monkeys. Vai saber. Ou talvez eles fossem ainda mais odiados em tempos de raiva permanente contra tudo, como os que vivemos hoje. De intolerância, de preconceitos, de guerras, de fortalecimento da extrema direita, de pandemia. Talvez efetivamente fossem tempos mais simples. De se emocionar com Everybody's Changing, Your Eyes Open e Untitled 1. De não ter vergonha de ouvir a todo o volume Somewhere Only We Know. Que hoje em dia nem aquela bandinha cover de jardim florido, consegue estragar. Porque, afinal, sempre que tá tocando eu paro pra ouvir.


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