quinta-feira, 23 de maio de 2024

Tesouros Cinéfilos - Chocolate (Chocolat)

De: Lasse Hallström. Com Juliette Binoche, Judi Dench, Alfred Molina e Johnny Depp. Romance / Drama, EUA / Reino Unido, 2000, 121 minutos.

Um tipo de cinema simples, descomplicado, capaz de gerar no espectador uma profunda sensação de pertencimento. Assim pode ser resumida a experiência com Chocolate (Chocolat), filme de Lasse Hallström que nos dá aquele calorzinho no coração - e que, vá lá, muitas vezes é só o que a gente precisa pra dar conta da dureza do mundo. Sim, ainda que o manual do cinéfilo starterpack aponte para a complexidade ou para o hermetismo como valores intrínsecos às obras de qualidade - não, meu querido estudante de Comunicação, talvez Donnie Darko (2003) não seja tão legal assim -, não há vergonha alguma em admitir que produções como esta, estrelada por Juliette Binoche e Johnny Depp, entregam tudo em matéria de conexão com quem assiste. O que não significa que a coisa toda seja apenas rasa, não provoque qualquer tipo de discussão ou que não apresente personagens com decisões mais difíceis.

Aqui, temos o tradicional embate entre a Igreja e o seu conservadorismo (ou reacionarismo) atroz e os prazeres, digamos, mais mundanos (como se esbaldar com chocolate). O ano é 1959 e a tranquilidade de um pacífico povoado francês é estremecida pela chegada esvoaçante da confeiteira Vianne (Binoche) que, acompanhada de sua pequena filha de apenas seis anos (Victoire Thivisol), pretende se instalar no local. Sob o olhar desconfiado do Conde de Reynaud (Alfred Molina), que é não apenas o prefeito mas uma espécie de líder espiritual local, Vianne abre uma loja para comercialização de chocolates, o que abalará essa pequena e fechadíssima província. Ocorre que estamos na época da Quaresma - o que exige dos cristãos locais uma fidelidade maior na hora de cumprir ritos religiosos, como o jejum ou o abandono de qualquer prazer, digamos, mais tentador. Mas como resistir a um sem fim de iguarias de chocolate que ocupam a fachada do estabelecimento? 


 

Não bastasse a tentação alimentar em si, Vianne ainda é o carisma em pessoa, atraindo os eventuais clientes com amostras grátis, ou mesmo jogos de adivinhação que pretendem direcionar os consumidores para o produto que mais lhe agrade - sempre com um sorriso gentil no rosto. Não demora para que Armande (Judi Dench), a locatária do espaço, se torne não apenas uma das principais frequentadoras, mas também uma amiga e confidente da protagonista. Aliada às duas também surgirá Josephine (Lena Olin), mulher que sofre com a violência doméstica perpetrada pelo marido Serge (Peter Stormare) e que se tornará uma aprendiz no local. O que lhe possibilitará não apenas se afastar daquele ambiente de abusos, mas também ter mais independência. Há segredos entre os moradores do vilarejo que, mais adiante, virão à tona, especialmente aqueles que envolvem a complexa relação de Armande com a sua filha, Caroline (Carrie-Anne Moss), e seu afetuoso neto, Luc (Aurélien Parent-Koenig). Com todos ali sendo monitorados, por meio do olhar desconfiado do prefeito.

E como se já não bastasse toda a beleza plástica em si, seja do cenário e das ambientações, ou mesmo das guloseimas focadas em planos detalhe irresistíveis, essa fábula agridoce, sensual e sofisticada ainda é pródiga no uso de seus simbolismos ou mesmo nas alegorias sobre preconceitos, respeito às diferenças, intolerância religiosa e até papel da mulher na sociedade. Sim, parece apenas um filme pequeno, levemente maniqueísta, mas que ao mesmo tempo é muito hábil na análise sobre como os temas tabus ainda funcionam como balizadores morais, especialmente em sociedades mais fechadas. Tudo a partir de um microcosmo centrado no indivíduo em uma luta coletiva - e basta pensar no quanto de preconceito e de intolerância ainda há nos dias de hoje, para percebermos que obras bem diretas, podem ter mensagens poderosas. As emoções aqui são tentadoras, eróticas, vívidas - assim como são lindos os sapatos de salto vermelhos usados por Binoche (e que ajudam a quebrar a monotonia cinza do todo). Ao cabo a gente torce pra que as coisas saiam a contento. Para que os ventos efetivamente mudem. E nos conduzam para dias melhores. Com mais magia. E mais cacau.


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