segunda-feira, 27 de março de 2023

Novidades em Streaming - Ela Disse (She Said)

De: Maria Schrader. Com Zoe Kazan, Carey Mulligan, Patricia Clarkson, Andre Braugher e Samantha Morton. Drama, EUA, 2022, 129 minutos.

"Por quê você tocou os meus seios ontem? Por que eu estou acostumado." Em uma das sequências mais repugnantes do drama Ela Disse (She Said) ficamos chocados com a naturalidade com que Harvey Weinstein assediava suas vítimas. Na gravação vazada pela modelo Ambra Gutierrez transparece toda a angústia de quem, nos jogos de poder dos bastidores de Hollywood, era a ponta mais fraca no que dizia respeito aos casos de violência sexual. Que em 05 de outubro de 2017 viriam à tona no que seria um dos maiores escândalos da história do cinema. E que encorajaria dezenas de mulheres a se unirem a movimentos como o #metoo e Time's Up. Denunciar abusadores, ao cabo, não é tarefa fácil. Ainda mais quando envolve gente importante, milionária, que é capaz de comprar o silêncio, sabotar carreiras de jovens artistas em ascensão, manipular a imprensa e até mesmo burlar o sistema jurídico por meio de acordos de confidencialidade nada justos para quem sofre com o trauma.

E é por isso que, ao trazer à tona esse assunto, é preciso valorizar a coragem não apenas de quem produz, dirige e atua num filme desses, mas também quem se debruçou sobre o tema para fazer jornalismo de verdade - e aqui merece aplausos a dupla de jornalistas Jodi Kantor e Megan Twohey, do The New York Times. Confrontar poderosos dá trabalho. Gera angústia, medo, ansiedade. E exige bravura. Ainda mais quando o que está em jogo é o objetivo de interromper um ciclo quase infinito de violência. A investigação jornalística cairia como uma bomba no mundo do cinema. Dando voz às vítimas - que iam de assistentes à candidatas a atriz (inclusive famosas, como Gwyneth Palthrow e Ashley Judd que interpreta a si própria). De alguma maneira é uma obra dolorida mas inspiradora - assim como são outras experiências viscerais de jornalismo, que fazem emergir escândalos, como no caso de clássicos como Todos os Homens do Presidente (1976) ou filmes recentes como Spotlight: Segredos Revelados (2015).


Interpretando Kantor e Twohey, Zoe Kazan e Carey Mulligan se parecem tanto em seus objetivos, seus ideais que, em certa altura do filme, elas brincam com o fato de estarem vestindo um figurino praticamente idêntico - um plácido vestido branco na altura dos joelhos (que forma uma espécie de alegoria para a busca incessante de algum tipo de paz, em um contexto onde parece haver apenas machismo, misoginia, patriarcalismo e abusos, claro). Empreendendo uma verdadeira via crúcis, a dupla de jornalistas se empenha em reunir entrevistas, documentos, relatórios e outras evidências que dêem estofo para a reportagem que estão produzindo. Os relatos de assédio envolvendo Weinstein remetem ao começo dos anos 90. Muita gente parece estar envolvida - de advogados à representantes de comissões trabalhistas. Mas nem todo mundo parece disposto a revirar novamente esse vespeiro. O medo paralisa. Tudo indica que o assunto é grave. Sério. Mas há a dificuldade de juntar elementos que corroborem a tese.

Ao cabo, trata-se daquele tipo de filme  - brilhantemente dirigido por Maria Schrader, do ótimo O Homem Ideal (2021) - que vai crescendo conforme as verdades vão sendo descortinadas. No papel da dupla de editores Rebecca Corbett e Dean Baquet, a onipresente e talentosa Patricia Clarkson e o sempre carismático Andre Braugher se apresentam como figuras ao mesmo tempo afetuosas e empáticas, mas atentas às implicações geradas por uma matéria dessa envergadura. Os bastidores são tensos e respingam para as vidas pessoais das jornalistas, que não conseguem dar atenção direito para marido ou filhos (são muitas as cenas em que tarde da noite elas estão sentadas em frente a um notebook na sede do Times, com todas as luzes do entorno desligadas). O que sugere o esforço da dupla em concretizar a sua tarefa. Para quem é jornalista de (ou em) formação trata-se de um filme obrigatório. São muitas as sequências de salas fechadas, de diálogos potentes, de menos pirotecnia e mais texto. É uma obra que brilha nos pormenores - em seu figurino discreto, em sua sóbria fotografia estilo anos 90, em sua trilha sonora classuda, cortesia de Nicholas Britell. Detalhe importante: a esnobada no Oscar não apaga a importância e a relevância do projeto. E de como ele foi fundamental para conter um dos maiores predadores sexuais dessa indústria cheia de homens velhos, engravatados e poderosos que acham que podem fazer o que quiserem, apenas por terem dinheiro e influência.

Nota: 8,5


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