terça-feira, 28 de março de 2023

Novidades em Streaming - Compartimento Nº 6 (Hitti Nro 6)

De: Juho Kuosmanem. Com Seidi Haarla e Yuri Borisov. Drama / Romance, Finlândia / Estônia / Rússia / Alemanha, 2021, 107 minutos.

Já dizia o escritor Henry Miller que "o destino de alguém nunca é um lugar e sim uma nova forma de olhar as coisas". Sim, parece frase extraída de algum livro de autoajuda, mas o caso é que a sentença se encaixa de maneira bastante adequada à trama de Compartimento Nº 6 (Hitti Nro 6) - filme que estreou recentemente na Amazon e foi o representante da Finlândia na edição do Oscar do ano passado. Essa, ao cabo, é daquelas obras pequenas que evidenciam o poder transformador dos pequenos encontros, dos acasos meio inesperados e de como a vida não ocorre seguindo necessariamente uma lógica. Na trama, a protagonista Laura (Seidi Haarla) pega um trem em direção ao Círculo Polar Ártico, na intenção de estudar petróglifos - pinturas rupestres em rochas e paredes de cerca de 10 mil anos que registram fatos e mitos do passado.

É evidente que essa busca por elementos de um passado menos "evoluído" estabelecerão um diálogo direto com a forma como se comporta o russo Ljoha (Yuri Borisov), com quem Laura compartilhará o vagão durante os longos dias de sua jornada. Ljoha é o arquétipo do homem rude, mal educado, meio xucro. Quando Laura entra no compartimento - um cubículo de dois por dois - seu desconforto é palpável: entre uma mordida e outra em uma salsicha que ele come com as mãos e uma tragada no cigarro, ele questiona sem nenhuma cerimônia se "ela está indo vender o corpo" no destino (isso, usando um linguajar menos chulo do que o dele). Esse começo é desastroso. Laura tenta de todas as formas trocar de vagão, ficar em qualquer outro lugar - sendo desencorajada pela agente ferroviária (que também é meio grosseira). Na parada do trem em São Petesburgo ela quer retornar, desistir. Mas também não recebe a devida acolhida de sua namorada Irina (Dinara Drukarova).

Todo esse contexto forçará a protagonista a coabitar o mesmo espaço com uma pessoa que, muito provavelmente, ela não suportaria ficar uma hora ao lado. E, bom, não é demais lembrar que nem sempre a primeira impressão é a que vale: aos poucos, com mais calma, Laura "aprenderá" a conviver com Ljoha. Descobrirá que ele é um mineiro solitário que está viajando a trabalho. Parará com ele na casa de uma amiga - uma senhora com uma gata -, onde passará a noite em meio a risadas e conversas divertidas, descompromissadas. Investigará uma cidade gelada em busca de uma bebida alcoólica, sempre na companhia de Ljoha, sendo amistosamente bem recebida por um grupo de um bar. Na realidade esse filme me fez pensar em muitas daquelas frases clichê que a gente vê por aí, como "a gente nunca sabe a dor do outro" ou mesmo "a felicidade pode estar nas pequenas coisas". É uma obra que se não chega a ser um tratado aprofundado sobre o tema, deixa a sua marca. Emociona. Comove. Nos faz sorrir.

Tecnicamente, trata-se de uma obra que utiliza a sua ambientação de forma inteligente: há calor humano, em alguma medida, no interior do trem, como um contraponto aos cenários gélidos que se apresentam do lado de fora. A trilha sonora com Voyage Voyage do Desireless parece quase óbvia em sua melodia e letra sobre viagens e destinos inesperados, mas acaba combinando de maneira inescapável. Há um quê de Os Amantes do Círculo Polar (1998) na história toda, convertida em um road movie invernal nunca tão bonito esteticamente quanto uma obra estrelada por Julie Delpy e Ethan Hawke, mas inadvertidamente honesta, sincera, crua. As pessoas são complexas afinal. Jamais fechadinhas em caixas. E a vida é como esses trens que vão e vêm, com suas chegadas, partidas, histórias, curiosidades. Sonhos, desejos, medos e anseios. É sobre isso. E tá tudo bem.

Nota: 8,0


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