De: Carla Simón. Com Jordi Pujol Dolcet, Ainet Jounou, Josep Abad, Xenia Roset e Berta Pipó. Drama, Espanha, 2022, 120 minutos.
Mas essa rotina idílica, ainda que exaustiva, não demorará a ser quebrada: arrendatários das terras que ocupam, os Solé não possuem nenhuma documentação que comprove a posse dos lotes que usam pra cultivar as frutas - que teriam sido concedidas pelo proprietário em uma espécie de troca de favores que remonta ao período da Guerra Civil Espanhola. Sem a formalização eles perdem qualquer possibilidade de barganha quando o filho do dono anuncia o desejo de retomar o terreno (após a morte do pai) para a instalação de uma usina de energia fotovoltaica (com dezenas de placas solares). De mãos atadas, o patriarca da família, Rogelio (o veterano Josep Abad), tenta todo o tipo de negociação possível - o que envolve cestas de produtos orgânicos oferecidos como presente e até mesmo a entrega de figos de uma figueira antiga que teria sido plantada pelos antepassados. Tudo em vão. Ao que tudo indica aquela será, de fato, a última safra. Restando esperar, em meio a série de pequenas lutas (e mesmo disputas) familiares ou não.
Ao cabo, o que vemos aqui é uma verdadeira colcha de retalhos, com a câmera indo e vindo de um personagem à outro dessa numerosa família. Não bastasse o enorme "pepino" que eles precisam resolver, no foro íntimo também haverá uma série de tensões, de discussões, de brigas que levarão a situação ao limite - muitas delas protagonizadas por Quimet (Jordi Pujol Dolcet), que encarna o agricultor esforçado, com sua onipresente camisa xadrez, de forma absurdamente realista. Aliás, se alguém me dissesse que ele é, de fato, fruticultor, eu acreditaria. Já a sua irmã Gloria (Berta Pipó) precisa lidar com o marido meio magalão Cisco (Carles Cabos), que mantém uma dúzia de pés de maconha escondidos em meio a um milharal, que é cultivado em parceria com Roger (Albert Bosch), o filho mais velho de Quimet. Há ainda outras duas filhas, a adolescente Mariona (Xenia Roset), além da pequena e graciosa Iris (Ainet Jounou), que movimentam a narrativa com as suas preocupações comezinhas, meio típicas da juventude (uma dança que deve ser realizada na festa local ou mesmo brincar com os primos).
Muita coisa acontece e Quimet ainda precisa lidar com uma série de protestos por melhores preços aos agricultores, num movimento que parte da Cooperativa da qual a família faz parte. Nesse sentido, o realismo não reside apenas nas cenas do pomar, da colheita, do manejo, da irrigação e da rotina, com tratores e outros equipamentos (a verossimilhança é incrível). É nos pormenores que a experiência ganha força, nas conversas que vão pelos cantos, nos acontecimentos que saem das frestas e na necessidade de que haja, ao cabo, um mínimo de senso de união para que todos possam sair bem dos percalços - e talvez seja por isso que a sequência de galinhagem a beira da piscina, durante um almoço de família, seja tão emocionante. Ao cabo a gente passa, aos poucos, a se importar com todos aqueles que vemos - trata-se afinal de um coletivo de pessoas complexas, de personalidades múltiplas, nunca óbvias. Meio que não se sabe o que esperar para além do sacrifício cotidiano, que precisa lidar com a tecnologia e com a modernidade que bate à porta (e que tenta lhes envolver, o que também fraturará a aliança familiar). Contemplativa, vibrante, ensolarada e autêntica, mas que utiliza seu microcosmo para uma análise mais ampla da sociedade, a obra funciona mais ou menos como os painéis solares que geram tanta discórdia - reservam energia, resgatando-a de onde nem parece haver. Um achado.
Nota: 8,5
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