O "mundo" está em dívida com a pequena Frida (Laia Artigas), que acaba de perder a mãe por complicações decorrentes da AIDS, além de já ter perdido o pai anteriormente, em circunstâncias desconhecidas. Seu novo lar, agora, é ao lado dos tios Esteve (David Verdaguer) e Marga (Bruna Cusi), em uma casa de campo bem afastada de Barcelona, onde residia antes. Com cerca de sete anos, Frida acompanha os acontecimentos do entorno sem entender direito tudo o que está ocorrendo e, a sua maneira, tenta sobreviver ao trauma, brincando com a prima (menor, mas mais madura do que ela) e se relacionando com este novo ambiente. No dia a dia, Marga procura dar a Frida educação semelhante aquela que dá a própria filha, o que desencadeia uma série de pequenos conflitos, já que a sobrinha - agora uma "filha emprestada" - se comporta de maneira infantil e, eventualmente, imatura.
Longe de ser um registro excessivamente melancólico, Verão 1993 (Estiu 1993) adota um estilo naturalista para mostrar uma realidade em que a adaptação é a palavra-chave. Marga certamente não imaginava ter de cuidar de mais uma menina - ainda mais de uma traumatizada pela morte dos pais - e, aqui e ali, mostra até mesmo certo ciúme dos momentos de carinho (e zelo) que Esteve dedica a sobrinha. Já Esteve procura ser o ponto de equilíbrio em meio a tudo o que está ocorrendo, tendo que ele também superar o drama pela perda da irmã. Já Frida, que se recusa até mesmo a amarrar os seus tênis (apesar de já ter idade para isso), faz birra para tomar o café da manhã ou pentear o cabelo e reclama de um presente dado pela avó por não gostar da cor da roupa, certamente é a personagem mais complexa, resultado também do impressionante trabalho da jovem Laia Artigas, capaz de conduzir o espectador para os mais variados sentimentos diante de seu comportamento ao mesm tempo silencioso e provocador.
Diga-se de passagem, o filme da diretora Carla Simón - enviado da Espanha para a categoria Filme em Língua Estrangeira no Oscar desse ano - também é sobre pessoas. E sobre dúvidas. E sobre qual a maneira certa (ou não) de agir diante das circunstâncias. E há maneira certa, especialmente diante de acontecimentos tão impactantes? Marga não quer que Frida seja mimada demais e se irrita quando a filha também passa a adotar comportamento infantilizado, após o início da convivência com a prima. Já a avó de ambas as crianças é zelosa ao extremo - especialmente com Frida -, atendendo a todas as suas vontades como uma forma de, talvez, tentar fazer curar as feridas que, nela, ainda não foram cicatrizadas. Mas qual será o resultado disso? Mesmo com a atenção de todos a sua volta, Frida faz de tudo para chamar a atenção, como nos momentos em que coloca a vida da prima em risco ou "ameaça" fugir de casa (só pra ir até o quintal, dar meia volta e retornar).
Verão 1993 não é um filme "grande", mas é um filme sobre todos nós, tentando fazer o melhor e tentando nos ajustar ao mundo que nos é apresentado - complexo, imprevisível, surpreendente. E, como pano de fundo, ainda apresenta uma realidade que, certamente, foi a de muitas famílias do final dos anos 80 e do início dos anos 90, quando o vírus HIV ainda representava um grande mistério a ser desvendado pela medicina. (e não é por acaso que uma das cenas finais, quando Marga tenta explicar as circunstâncias da morte da ex-cunhada a Frida, é tão comovente) Simples, bucólico, silencioso (o som só é "quebrado" por algumas inserções de Esteve, que tem certos arroubos como músico), com fotografia granulada e primaveril, a obra é daquelas gostosas de ver, recheadas de personagens complexas, eventualmente inseguras e absolutamente verossímeis. Um belo exemplar do cinema espanhol.
Nota: 8,0
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