De: Gaspar Noé. Com Dario Argento, Françoise Lebrun e Alex Lutz. Drama, Argentina / França, 2021, 142 minutos.
Sinceramente, esse filme deveria vir com algum tipo de alerta de gatilho, já que, Vortex, que estreou recentemente na plataforma Mubi, é daquelas obras que desgraça a cabeça do espectador. Em uma narrativa sobre demência e senilidade na velhice, o diretor Gaspar Noé - de Irreversível (2002), Love (2015) e Clímax (2018) - reduz um tanto da velocidade e do maximalismo dos projetos anteriores para apostar em uma experiência dolorosamente contemplativa, mas que jamais deixa de lado a inquietação, o incômodo. E, aqui, não são necessários nem cinco minutos para que sejamos tragados para a ambientação claustrofóbica de um pequeno apartamento onde moram um intelectual (Dario Argento) que escreve um novo livro que mistura sonhos com cinema e sua esposa (Françoise Lebrun), uma psiquiatra que começa a dar sinais de estar em algum estágio de Alzheimer intermediário.
Nesse contexto de degradação física e intelectual, ambos os idosos, na casa dos 80 anos, zanzam pelo ambiente, cada qual envolvido com pequenas efemérides - fazer o café, recolher o lixo, ir na farmácia, tentar escrever. Ocupada por um grande volume de livros, de pôsteres de filmes e de outros produtos culturais - o que evidencia a intelectualidade que agora parece apenas perecer em algum ponto da mente (numa metáfora desalentadora, por sinal) - a habitação em que os dois protagonistas coexistem é apenas triste. Como se fosse um purgatório, um espaço de longa espera, o apartamento é o cenário silencioso de quem apenas aguarda o fim. O ocaso da existência. O escritor se esforça para teclar sofregamente na máquina de escrever. Logo se exaure. A mulher se perde pelo bairro, deixando o sujeito aflito. O filho de ambos, Stéphane (Alex Lutz), um viciado (e traficante) que tem seus próprios demônios, pouco ajuda. Até tenta à sua maneira. Mas não consegue.
E lá pelas tantas eu me senti tão mal vendo o filme, que eu apenas queria que aquele sofrimento terminasse de uma vez - o que me fez perceber que esse é maior elogio ao filme de Noé. É no choque de realidade que está o mérito. Diferentemente de obras anteriores, aqui não há descidas caleidoscópicas, frenéticas e espiraladas a algum inferno conceitual ou alegórico e que serve para denunciar (ou escancarar) algum tipo de desvio moral, de preconceitos ou de comportamento repulsivo. Estamos apenas diante da vida. E da morte. E de como tudo parece tão inútil em muitos casos. O personagem de Argento se propõe a escrever um livro: mas qual o propósito disso? Qual a lógica? Com um problema cardíaco ocorrido meses antes, o homem e sua mulher divagam a partir da sentença de Edgar Allan Poe, que afirma que "a vida não passa de um sonho dentro de um sonho".
Hábil no que diz respeito ao aparato técnico, o filme aposta em uma trucagem que, se não chega a ser novidade, contribui para reforçar o senso de isolamento daquele confinamento meio forçado - estando cada qual dos atores enquadrados como se estivessem "encaixotados" lado a lado. Com ecos de Amor (2012), de Michael Haneke, e Meu Pai (2020) de Florian Zeller, a obra é costurada por instantes que apenas reforçam o tom quase insuportável da narrativa (e ver a personagem de Lebrun caminhando sem sentido dentro da casa, é daquelas em que dá vontade de dizer "chega" em algum momento). Discutindo luto, memória, cicatrizes do tempo, simbologia da morte e outros temas, o filme avança para a complexidade da busca de soluções práticas (que possam ser minimamente afetuosas) para casos do tipo. Poucas vezes vi um tipo de realidade sobre o tema tão bem evidenciada. Tão nua, tão crua. Em meio a tanta vulnerabilidade, quase dá medo de envelhecer. E esse "truque" realista funciona direitinho.
Nota: 8,5
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