segunda-feira, 24 de outubro de 2022

Novidades em Streaming - Wet Sand

De: Elene Naveriani. Com Bebe Sesitashvili, Megi Kobaladze e Gia Agumava. Drama, Geórgia / Suiça, 2021, 115 minutos.

Existe um livro de Zygmunt Bauman chamado Comunidade, que até não é tão badalado quanto outros, mas que cabe direitinho em uma análise do ótimo filme Wet Sand - um dos recentes lançamentos da plataforma Mubi. Na citada obra, o escritor teoriza sobre a sensação agradável e de pertencimento que costuma ocorrer na vida em comunidade. Pensar nesses espaços é fazer associações imediatas com paisagens aconchegantes que nos deixem seguros de ameaças que estejam à espreita lá "fora". No exterior daquele núcleo. É quase como um paraíso perdido, uma espécie de utopia. Só que, para Bauman, é justamente esse senso de coletividade, de amparo, que, paradoxalmente, faz com que percamos o direito de sermos nós mesmos. Seguros, mas privados da liberdade - dois valores preciosos, que não se conciliam de todo. E essa tensão, ao cabo, dificilmente será desfeita.

Pense, por exemplo, naquela vilazinha de interior fechada, conservadora - que vive em sua bolha de festividades no salão paroquial e jogos de bocha na bodega local. A vida flui com tranquilidade em meio àquela teia de vínculos afetivos pouco dispersos e, nas aparências, extremamente solidários. O que pode quebrar essa rede de homogeneidade cultural, política, religiosa? Bom, evidentemente o diferente. Que, aqui e ali, pode se ver segregado. Seja por qual motivo for. Toleramos bem o multiculturalismo? Talvez. Desde que ele não aconteça aqui. Nas nossas barbas. No cemitério junto à Igreja. No clube de mães local. Wet Sand se passa em um pequeno vilarejo junto ao Mar Negro, na Georgia. Um local aparentemente tranquilo em que seus moradores, de forma cordial, jogam jogos de tabuleiro no alpendre do bar, enquanto tomam cervejas e se ocupam de mesquinharias quaisquer.

Só que a calmaria é quebrada quando Eliko - sujeito reservado que é conhecido pelos locais apenas pela alcunha de "o estranho" - tira a própria vida. É nesse contexto que surge a jovem Moe (a ótima Bebe Sesitashvili), neta do falecido, que chega de Tbilisi para auxiliar na organização do funeral. Misteriosa e taciturna, Moe circula aqui e ali pela orla da praia da localidade, passando a compreender de forma mais clara os motivos da resistência dos moradores em relação ao seu avô. "É aquele que caminhava de um jeito meio fresco", lembra às gargalhadas um dos moradores, entre um e outro gole de cerveja. Não demora para que a jovem perceba que Eliko era motivo de vergonha para todos. Solitário, pouco se expunha. Aparentemente gay, não tinha o direito de se expressar livremente nessa comunidade fechada, reacionária, preconceituosa, intolerante.

E as coisas não melhoram quando Moe percebe que talvez seu avô tenha tirado sua vida justamente por ter de conviver com o ódio diário, sendo ao mesmo tempo rejeitado e alvo de mentiras. A diferença? Apenas um "defeito". "Um homem que não era 'família'" brada outro operário que trabalha no local. Ao fazer amizade com a jovem nativa Fleshka (Megi Kobaladze), Moe se aproximará de verdades ainda mais inquietantes e que envolvem um outro morador do local, o carismático Amnon (interpretado de forma comovente por Gia Agumava). O que nos ensinará essa experiência? Que só muda o País quando o assunto é o "cidadão de bem" e o pânico moral. A luta pela verdade, ao cabo, tem um alto custo. Mas o resultado, que liberta os espaços mais fechados para além do conformismo, pode valer a pena. É um trabalho de formiguinha, tijolinho por tijolinho. Ninguém aprendeu a odiar o diferente por acaso. E ainda estamos em tempo de aceitar e respeitar todo o tido de identidade. Bem como suas histórias, existências, sentimentos. Há um pouco de idealismo nisso tudo? Há. Mas dá pra ter esperança. Como comprova a poética sequência final.

Nota: 8,5

 

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