De: Jonas Carpignano. Com Swamy Rotolo, Claudio Rotolo, Grecia Rotolo e Giorgia Rotolo. Drama, França / Itália, 2021, 122 minutos.
[ATENÇÃO: ESSE TEXTO CONTÉM SPOILERS]
Ficou mais ou menos conhecida, em 2010, a história de Maria Concetta Cacciola que, aparentemente, decidiu que beber uma garrafa de ácido concentrado era algo menos pior do que se submeter a tortuosa convivência com seus pais e seu irmão - uma família com laços com a Ndranghetta, a máfia da Calábria, na Itália. Forçada a se casar aos 13 anos e grávida aos 15, Concetta não queria permanecer em uma vida de crimes como tráfico de drogas e lavagem de dinheiro. O que colocaria em risco esse tipo de poderosa dinastia. Impossibilitada de escapar, uma vez que apenas parentes podem ser "doutrinados" na Ndranghetta, a mulher, à época com 31 anos, preferiu tirar a própria vida. O rígido código de conduta lhe impedia de ser livre para escolher um parceiro de vida ou um trabalho que não envolvesse alianças espúrias. A vida ficara bloqueada. Apartada. Dedicada exclusivamente à família e a lealdade a esta.
Em linhas gerais este é um assunto diferente e que é muito bem desenvolvido no ótimo A Chiara - filme do diretor Jonas Carpignano que está disponível no Mubi. Vencedora do Prêmio Quinzena dos Diretores de Cannes, a obra nos coloca em uma Itália contemporânea, local em que a jovem personagem Chiara (Swamy Rotolo), de apenas 15 anos, perceberá, de forma gradual, que talvez a sua família não seja exatamente o que parece. O ponto de partida da trama é o aniversário de dezoito anos de sua irmã mais velha, Giulia (Grecia Rotolo). O clima é animado, festivo, os brindes são comoventes. O único que não parece muito à vontade para celebrar é o patriarca Claudio (Claudio Rotolo). Há algo em seu olhar tímido, em seu silêncio persistente que parece evidenciar de que há algo errado. Já na madrugada, após os convidados irem embora, um tumulto se inicia na casa. Chiara assiste pelas frestas, seu pai fugindo de algo - literalmente pulando o muro dos fundos de casa. Ele some. Sem dar notícias. Um carro simplesmente explode nas redondezas. O caos invade um universo até então lúdico, juvenil.
Sem compreender direito o que aconteceu e insatisfeita com as respostas evasivas dadas pela própria mãe (Giorgia Rotolo), Chiara empreenderá uma jornada pessoal em busca de pistas não apenas do paradeiro do pai, mas dos motivos pelos quais ele está fugindo (já que, até aquela altura, ela sequer imagina quais são os negócios dele). Além de uma passagem secreta que leva a um compartimento subterrâneo na própria casa, a jovem se deparará com outras figuras misteriosas da região, cada qual com seus segredos. Juntando um fragmento aqui e outro acolá, Chiara tentará equilibrar uma existência de adolescente que parece apenas esmaecer - das conversinhas bobas no celular, passando pelo cigarro escondido da mãe e pelas briguinhas com colegas -, para adentrar em um universo adulto até demais. Como, afinal, abandonar tudo o que ela acreditou até então para fazer essa intersecção em uma nova vida? Isso é possível? E se não, qual seria o caminho? O mesmo de Concetta?
Tenso, o filme evidencia o pânico que emerge do entorno, conforme Chiara assiste o seu carinhoso e onipresente pai ser desconstruído. E talvez não seja por acaso que, em um dos sonhos recorrentes e perturbadores que a adolescente tem, ela se depare com uma espécie de buraco aberto na própria sala de casa, como que dando espaço para uma nova dimensão. A vidinha de colégio vai. Os comentários e sussurros pelas costas aumentam. Uma família de criminosos emerge. E Chiara lida com tudo isso com seu olhar firme, fruto de uma caracterização competente de Swamy Rotolo. Aliás, quem leu atentamente a resenha percebeu: todos os integrantes da família tem o mesmo sobrenome porque eles são, verdadeiramente, parentes. A intenção do diretor foi a de conferir ainda mais realismo à narrativa. O resultado é incômodo, intimista, naturalista e evocativo. E histórias como as de Concetta serviram para que, inclusive, as leis da Itália fossem alteradas, com os "filhos da máfia" tendo como opção permanecer sob custódia do Estado, em locais secretos. Uma medida dura mas que busca minimizar os efeitos trágicos de uma vida obrigatória no crime.
Nota: 8,5
Fonte: Jornal Extra
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