De: Pedro Almodóvar. Com Penélope Cruz, Milena Smit, Isreal Elejalde e Aitana Sánchez-Gijón. Drama, Espanha, 2021, 121 minutos.
E talvez seja a soma desses ingredientes - a história que emerge do microcosmo, a estética que vai no limite da ambiguidade, o olhar carinhoso para o passado - justamente aquilo que torna possível a existência de pequenas joias como este Mães Paralelas (Madres Paralelas), que está disponível na Netflix. Aliás, o "assunto" das mães - das mulheres em geral - costuma se repetir nos filmes de Almodóvar, como uma espécie de metáfora geradora do todo, da continuidade da vida, da persistência em meio às dificuldades, da superação em uma sociedade machista, misógina, patriarcal. E provavelmente seja essa cumplicidade que faça com que Janis (Penélope Cruz) e Ana (Milena Smit) se aproximem na maternidade - aliás, elas darão à luz no mesmo dia. De personalidades opostas, Janis é a fotógrafa bem estabelecida e independente que, próxima dos 40 anos, sonha com a maternidade. Está eufórica com a ideia. Já Ana, uma adolescente, engravidou por "acidente" e está arrependida, traumatizada, morrendo de medo de tudo.
E as circunstâncias que as tornarão mães podem até parecer desimportantes num primeiro momento, mas funcionarão também como fio condutor que engendra a narrativa muito bem costurada. Janis, por exemplo, engravida de um arqueólogo ligado ao Governo - seu nome é Arturo (Israel Elejalde) -, após um trabalho conjunto que executam. Janis tem interesse no tema das escavações pois alguns de seus parentes podem estar enterrados em um sítio em uma antiga vila onde viveram seus antepassados, tendo sido assassinados durante o regime do ditador Francisco Franco. Detalhe: Arturo é casado. Já Ana, aparentemente, foi estuprada e é meio assombroso constatar o fato de que ela talvez sequer tenha se dado conta disso. E é justamente esse emaranhado que faz com que Janis e Ana se aproximem ainda mais, se fortaleçam em suas dores, se apoiem diante do sofrimento, especialmente quando a ligação entre ambas dá sinais de que, muito provavelmente, se quebrará. Há algo maior que une as mães da nação. E que conecta passado, presente e futuro.
E acompanhar tudo isso é se emocionar sem que para isso sejam necessárias muitas lágrimas. Há uma série de subtextos que envolvem escolhas profissionais x maternidade (e aqui entra o papel conturbado e ambíguo de Aitana Sánchez-Gijón que interpreta Teresa, a mãe de Ana), incertezas diante do futuro, superação do luto, solidão e outros. Com os atores, especialmente Penélope Cruz, dando um verdadeiro show de interpretação - e as formas com que a sua expressão se modifica tão naturalmente diante de uma ou outra notícia reveladora, dão conta da grande atriz que, afinal de contas, ela viria a se tornar (e, nesse sentido, a indicação ao Oscar não é por acaso). Aliás, a propósito do "carecão dourado" (como diz o Otávio Ugá, do Canal Super Oito), Alberto Iglesias, colaborador de longa data do diretor, também foi lembrado na categoria Trilha Sonora (e com justiça, já que as suas cordas cortantes contribuem para o clima de suspense e drama da narrativa). Resumo da ópera: Almodóvar está na melhor forma possível. E quem ganha é o espectador.
Nota: 9,0
Nenhum comentário:
Postar um comentário