sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Cinema - Sempre em Frente (C'mon C'mon)

De: Mike Mills. Com Joaquin Phoenix, Gaby Hoffmann e Woody Norman. Comédia / Drama, EUA, 2021, 108 minutos.

O que você mudaria em você mesma? Se você pudesse ter um superpoder qual seria? Você considera o mundo justo? Como você imagina a existência após a morte? Se seus pais fossem seus filhos, o que você gostaria de ensinar a eles? O que é ser um adulto? Costurada por estas e outras perguntas, a narrativa fluída do envolvente Sempre em Frente (C'mon C'mon) mais parece uma ampla reflexão sobre temas variados relativos a nossa existência. A realidade é que quase nunca paramos pra avaliar estas e outras questões complexas. E que dificilmente possuem uma resposta fechada, exata, cartesiana. Só que, de alguma forma, Johnny (Joaquin Phoenix) está em busca de explicações. Como jornalista que atua em rádio, ele trabalha em um projeto itinerante em que viaja pelo País entrevistando crianças sobre suas percepções a respeito do mundo, da sociedade, do futuro. Temas eventualmente espinhosos, complexos. Sonhos, anseios e medos. Que retiram os pequenos de sua zona de conforto, pra nos entregar instantes mágicos, quase comoventes.

Sim, o filme mais recente do diretor Mike Mills - do excelente Mulheres do Século 20 (2016) - tem aquele jeitão de pseudodocumentário tão naturalista, que nos dá a impressão de que estamos acompanhando, efetivamente, entrevistas reais (o que é verdade, já que o próprio realizador admitiu em entrevistas que apostou na versatilidade, no carisma e capacidade de improviso de Phoenix para a gravação das conversas, em mais um daqueles papeis em que a sua excêntrica e autêntica persona se mescla com o ator). O resultado vai fornecendo, aqui e ali, pistas do que, ao menos aparentemente, pretende Mills com esse trabalho: no caso estabelecer um panorama desse mundo urgente, imprevisível, tecnológico, alegre e melancólico que vivemos, a partir de pequenos recortes, de divagações. Aliás, o microcosmo do próprio protagonista reflete essas inquietações. Especialmente após ele ser encarregado por sua irmã Viv (Gaby Hoffmann da série Transparent) de cuidar de seu sobrinho Jesse (Woody Norman).

Afinal, de alguma forma, esse também é o filme sobre o adulto solitário e meio desajeitado que precisa improvisar para cuidar de uma criança. E que se depara com um pequeno como é qualquer pequeno de nove anos dos tempos atuais: inteligente, perspicaz, curioso, destemido. Talvez manhoso e infantil. Tagarela. De tudo um pouco. E as interações entre ambos não serão apenas tocantes ou magnéticas: elas também refletirão as dificuldades da "paternidade" (e da maternidade) em um mundo em que tudo acontece ao mesmo tempo e agora. Johnny precisa seguir, afinal, com o seu ofício. E carregará a tiracolo o sobrinho, que lhe auxiliará, trazendo também as suas próprios dúvidas, angústias, vontades. Enquanto Viv tenta resolver a vida que está em frangalhos, após o seu marido ser diagnosticado com um severo problema mental. Mudanças de lugares, de perspectivas. Acontecimentos grandes ou pequenos. A aleatoriedade da vida. A beleza das coisas. A dor que guardamos. Há de tudo um pouco em Sempre em Frente, ainda que aparentemente não ocorra nada.

E tudo é soberbamente filmado, com planos mais fechados se alternando com amplos planos abertos que mostram a grandiosidade das cidades (como Detroit e Nova York), que contrastam com os ambientes fechados, as vidas ordinárias. Já a fotografia em preto e branco é um primor, evocando sentimentos ambíguos que vão do plasticamente bonito ao melancolicamente cinza. O mesmo valendo para a quase onipresente trilha sonora, que às vezes mais parece um som ambiente que nos acompanha o tempo todo, entre notas melodiosas ao piano e orquestrações levemente expansivas. É o tipo de obra que nos faz pensar, sorrir, sentir ternura. E que, de quebra, ainda é entrecortado por trechos de livros que parecem ampliar o significado daquilo que acompanhamos, como no caso da citação à Claire A. Nivola, que lembra que "ao longo dos anos, tentaremos dar sentido a essa vida feliz, triste, cheia, vazia e sempre em mudança. E quando chegar a hora de retornar à nossa estrela, pode ser difícil dizer adeus a esse mundo estranhamente belo". Difícil não se comover.

Nota: 8,5

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