Já dizia Pablo Neruda que "é tão difícil as pessoas razoáveis se tornarem poetas, quanto os poetas se tornarem pessoas razoáveis". Não sei dizer se Neruda estava certo, mas no universo bastante íntimo retratado por Alejandro Zambra no ótimo romance Poeta Chileno, o que temos é um verdadeiro mergulho nesse ambiente quase mitológico dos poetas chilenos. "Somos bicampeões na Copa do Mundo de poesia" afirma a certa altura da narrativa, num tom que vai no limite entre o orgulho e o deboche, um certo Pato, amigo de Vicente, um jovem recém-saído da adolescência, que sonha seguir os passos de Gabriela Mistral, Nicanor Parra, Armando Uribe, além do próprio Neruda. Aliás, Mistral e Neruda atestam a eficiência da poesia saída do País de Salvador Allende, afinal, venceram o prestigioso Prêmio Nobel de Literatura. Mas há espaço para esse tipo de leitura nos tempos atuais? Fora os clássicos, as pessoas se interessam por esse tipo de material curto, meio formulaico e excessivamente subjetivo, ainda que invariavelmente provocativo?
Zambra, ele mesmo um escritor de poesias, ensaios e outros textos brinca com o tema, ao adotar um tom realista, quase pessimista, ao lançar um olhar para um mundo excessivamente antipoético, onde o estilo parece ser celebrado apenas entre os pares, em festas em que os poetas parecem dispostos a reafirmar sua importância para si próprios. O próprio Gonzalo, um dos protagonistas, é aspirante a escritor - daqueles que sonha em produzir um material que possa ser digno à conversão em livro, que possa ir ao encontro de leitores involuntários que se interessem por esse mundo de "herois, anti-herois e até de impostores literários". De forma bastante irônica a poesia, para Gonzalo, era a "história de homens geniais e excêntricos, bons de copo e especialistas nos altos e baixos do amor". Um tipo de mitologia que, desde a juventude, o contaminava. E que viria a influenciar diretamente em sua vida, seu presente e seu futuro - especialmente em sua relação com a namorada Carla e seu pequeno filho, o já citado Vicente.
E é nesse ponto que o livro de Zambra ganha a gordura dos eventos mundanos que, não por acaso, servirão de matéria-prima para a poesia, que costura a narrativa de uma forma comovente. Da juventude ao lado de Carla - com os desejos juvenis se convertendo em verdadeiras manobras no sofá, embaixo de um poncho vermelho, enquanto a mãe da jovem circulava de forma desconfiada pelo ambiente -, até a separação, passando pelo futuro e inesperado reencontro, que resultará na mais improvável das amizades (a de Gonzalo com Vicente), as idas e vindas, medos e vontades, frustrações e anseios, sofrimentos e conquistas se mesclarão à própria história do Chile - especialmente após o fim do autoritário Governo do Ditador Augusto Pinochet. Trata-se ao cabo de uma obra que divaga permanentemente a respeito do fazer literário, sobre como poetas parecem desprezar o romance, sobre as tragédias contemporâneas, sobre o desejo de pertencimento, sobre masculinidade, paternidade e suas curvas espinhosas.
Percorrendo as mais de 400 páginas da obra editada pela Companhia das Letras, personagens secundários como Pru, uma jornalista estrangeira que está interessada em elaborar uma reportagem sobre a poesia chilena contemporânea; León, o medíocre pai verdadeiro de Vicente que atua como corretor de imóveis frustrado e Safadão, o extravagante avô de Gonzalo, conferem cor à narrativa cheia de possibilidades, de pequenos becos, de encaixes inesperados, numa reflexão que, acima de tudo, aborda o sentido de ler e escrever nos nossos dias. Repleto de citações culturais, Poeta Chileno ainda é um prato cheio para os fãs de literatura, que encontrarão na obra um verdadeiro desfile de autores, muitos deles completos desconhecidos - como aqueles vistos no magistral capítulo que se dedica as entrevistas realizadas por Pru. "Ser poeta chileno é como ser um chef peruano, um jogador de futebol brasileiro ou uma modelo venezuelana", resume alguém a uma certa altura. O que dá a dimensão da arte sobre a própria arte que propõe Zambra. Vale demais.
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