De: Ahmir Khalib Thompson. Documentário / Musical, EUA, 2021, 117 minutos.
Sim, ouvir música enquanto algum barulho externo atrapalha, pode ser apenas uma atitude prosaica. Mas, não nesse caso já que, aqui, esta foi a alternativa encontrada pela acadêmica de jornalismo para tentar afastar o racismo que se avizinhava. O preconceito que persistia em entrar pelas frestas, ecoado por essa massa difusa e alienada que, até os dias de hoje, acredita ter direitos a mais do que certas minorias apenas pela cor de sua pele. E o fato de ouvir Nina Simone, essa grande diva do jazz, tem um peso a mais, já que a artista era uma das maiores representantes da música como veículo de luta pelos direitos civis da população negra dos Estados Unidos. Algo que ela expressava não apenas com a sua poderosa voz, mas também com gestos, com movimentos, com comportamentos, com figurinos que a convertiam em uma entidade quase mística, quase como uma divindade africana. Alguém, enfim, que utilizava sua arte para questionar o status quo, para provocar reflexões, para consolidar ideais políticos, numa mistura de luta e de esperança que costuma mover a comunidade afro até os dias de hoje.
Nina, assim como tantos outros cantores e compositores, foi uma das escaladas para a programação do Harlem Cultural Festival, evento que reuniu quase 300 mil pessoas - a grande maioria negros e hispânicos - em seis finais de semana em Nova York, no verão de 1969 (sim, no mesmo ano do badalado Festival de Woodstock). Em uma década marcada por um verdadeiro turbilhão político, social e cultural nos Estados Unidos, o encontro promoveu o orgulho e a união através da música, em uma celebração que ficaria "engavetada" até, praticamente, os dias de hoje. Rico em imagens de arquivo, o documentário resgata não apenas as apresentações que ocorreram no período - de artistas de renome como Stevie Wonder, Sly & The Family Stone, Mahalia Jackson, The 5th Dimension e The Chambers Brothers, entre outros -, mas o significado do festival em si, que ecoava em suas vozes, em sua poesia, um verdadeiro manifesto cultural pela liberdade e por direitos.
Com entrevistas com participantes, com artistas, com jornalistas, ativistas e outros envolvidos o diretor Ahmir Khalib Thompson - o Questlove da banda The Roots -, reconstrói, a partir de imagens feitas por Hal Tulchin, o panorama do período, o clima vivido à época, em meio a assassinatos de lideranças negras (como Malcolm X e Martin Luther King), perseguições a coletivos como o Panteras Negras, explosão do movimento hippie, presença do homem na Lua e outros. Trata-se de uma obra vibrante, colorida, primaveril, dançante e que nos leva da melancolia ao gracejo em segundos, em meio as histórias que vão se descortinando de forma dinâmica, envolvente. "O poder da música é o de contarmos as nossas próprias histórias", comenta em certa altura da projeção o ator e dramaturgo Lin-Manuel Miranda, um dos convidados. É exatamente esse o sentimento que move todos ali - como se expiassem suas dores, anseios, desejos em meio aos acordes de jazz, de gospel, de soul. Pode anotar no Bolão do Oscar: deve ser um dos lembrados em sua categoria.
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