terça-feira, 23 de abril de 2019

Tesouros Cinéfilos - Tudo Sobre Minha Mãe (Todo Sobre Mi Madre)

De: Pedro Almodóvar. Com Cecilia Roth, Marisa Paredes, Penélope Cruz e Antonia San Juan. Drama, Espanha / França, 1999, 101 minutos.

Ao final de Tudo Sobre Minha Mãe (Todo Sobre Mi Madre) um letreiro indica que a obra é dedicada a "todas as atrizes que viveram atrizes. A todas as mulheres que representam. Aos homens que representam e se tornaram mulheres. A todas as pessoas que querem ser mães. À minha mãe". Nesse sentido, não é demais lembrar que o cinema de Pedro Almodóvar sempre foi pródigo em sua análise do universo feminino - com as mulheres sustentando as mais variadas tramas -, e é muito provável que com esta película este nostálgico "fetiche" tenha atingido o seu ápice. Em tela mulheres de todos os tipos: apaixonadas, vigorosas, empáticas e humanas buscando se encontrar em um mundo em que tragédia e riso caminham lado a lado, sendo sempre possível, a despeito das peças pregadas pelo destino, seguir em frente, perdoar e, enfim, recomeçar.

Na história acompanhamos o drama de Manuela (Cecilia Roth), que perde o filho Esteban (Eloy Azorín) na noite do aniversário do jovem. Após assistirem uma encenação da peça Um Bonde Chamado Desejo (foi o presente de aniversário da mãe), Esteban se esforça para pegar um autógrafo da atriz Huma Rojo (Marisa Paredes) - que interpreta Blanche Dubois -, correndo atrás do táxi que lhe conduz pelo subúrbio. Por uma fatalidade, ele é atropelado e acaba falecendo. Alguns dias depois, lendo os diários do filho, Manuela encontra um manuscrito que dá conta do desejo do rapaz de conhecer o seu pai. É neste momento que a devastada mãe resolve ir a Barcelona para tentar um encontro com o pai de Esteban, vivido por Toni Cantó. Mas há um problema: o homem atualmente é a travesti Lola. E faz 18 anos que Manuela não lhe vê.


Em sua jornada, Manuela reencontrará a antiga amiga Agrado (Antonia San Juan) e conhecerá a jovem freira Rosa (Penelope Cruz), que se tornará sua protegida após esta descobrir uma inesperada gravidez. E já que coincidência pouca é bobagem, Manuela começará a trabalhar para Huma, após um curioso (e revelador) encontro entre ambas. O filme se desenrola a partir desses pequenos recortes que envolvem o convívio de todas elas, suas idas e vindas, suas tentativas de resolver as angústias que não lhes deixam acalmar o coração. Luto, uso de drogas, HIV, dissimulação da Igreja Católica e prostituição são assuntos que funcionam como fios condutores da narrativa que, ao fim do cabo, discute a importância da sororidade, da absolvição e da compreensão das diferenças. É uma obra colorida, alegórica, de gargalhada e de choro em igual medida e de um olhar carinhoso, especialmente para aquelas figuras que vivem a margem da sociedade.

Tido pela crítica como o melhor filme de Almodóvar - não por acaso faturou o Oscar na categoria Filme em Língua Estrangeira na cerimônia do ano 2000 - a película ainda é um requinte no que diz respeito às suas referências, que vão da já citada peça de Tenessee Williams ao filme A Malvada (1950) - e aqui vale prestar atenção no aspecto metalinguístico da narrativa, com Manuela "substituindo" pessoas em vários momentos e em vários papeis, tal qual a Eve Herrington, vivida de forma impressionante por Anne Baxter, no clássico estrelado por Bette Davis. Com um elenco recheado de estrelas e inspiradíssimo, a obra conta com várias cenas inesquecíveis, como na parte em que, após apanhar na rua, Agrado se olha no espelho e diz estar parecida com o Homem Elefante, por causa de seus hematomas. Em tempos em que o preconceito, a ódio e a intolerância andam em alta - motivados por uma inexplicável ascensão de alas conservadoras de direita - os filmes do Almodóvar são um verdadeiro respiro, nunca sendo demais recordá-los.

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