terça-feira, 10 de novembro de 2020

A Volta ao Mundo em 80 Filmes - A Jaula de Ouro (Guatemala)

De: Diego Quemada-Diez. Com Rodolfo Dominguez, Karen Martínez e Brandon López. Drama, Guatemala / México / Espanha, 2013, 108 minutos.

Quando a gente assiste a uma obra dolorida e arrebatadora como A Jaula de Ouro (La Jaula de Oro) é simplesmente impossível não lembrar da imagem das crianças, filhas de imigrantes mexicanos, que foram presas em grandes jaulas, ao tentar atravessar a fronteira com os Estados Unidos durante o Governo Trump. Foram várias fotos e vídeos que correram o mundo durante a política de Tolerância Zero do republicano e que envolvia, inclusive, a construção do famigerado muro na divisa entre os dois países. Ocorre que, quando pensamos nesses imigrantes, dificilmente os "humanizamos". Raramente pensamos nessas milhares de pessoas como... pessoas. Que tem seus sonhos, seus desejos, seus anseios. Seus medos e frustrações. E que buscam, nos Estados Unidos, o encontro idílico com o "sonho americano". Um sonho que lhes retire da pobreza extrema, da vulnerabilidade. Que lhes permita um trabalho ou, minimamente, a dignidade. Ter o que comer, tentar ser feliz. Sobreviver.

Exibido em 2013 na mostra Um Certo Olhar do Festival de Cannes, e vencedor de vários prêmios mundo afora, o filme guatemalteco é um áspero road movie do Terceiro Mundo em que acompanhamos a verdadeira via crucis de três jovens - dois rapazes e uma garota -, para tentar cruzar a fronteira a partir da Guatemala. A intenção clara é escapar da vida miserável do País da América Central - em alguns aspectos, bastante parecido com o Brasil -, tarefa em que são muito maiores as incertezas do que as evidências. Para onde exatamente se está indo? E com qual objetivo? O que se encontrará pelo caminho? Todos sairão vivos? De alguma forma, a película do diretor Diego Quemada-Diez até começa razoavelmente leve, com o trio principal ocupado com pequenas brigas entre si (boa parte delas por ciúmes), enquanto inicia a peregrinação que os leva do trem para a floresta e de volta para o trem e de volta para a floresta, numa caminhada longa que, facilmente, alcança os milhares de quilômetros.

Na construção narrativa também se consolidará uma história de amizade e de descobertas entre os jovens - especialmente pelo fato de Chauk (Rodolfo Dominguez) ser de uma tribo indígena que sequer fala a mesma língua dos "urbanos" Juán (Brandon López) e Sara (Karen Martínez). De forma meio involuntária o trio se aproximará, enquanto investe em sua longa jornada rumo ao desconhecido, tentando ganhar algum dinheiro (com apresentações de rua), se esforçando para escapar de grupos milicianos (e de outros bandidos) e permanecendo longos minutos sobre vagões de trem, que os levam para lugares aleatórios próximos da fronteira. Aliás, a fluidez um pouco mais lenta talvez incomode alguns espectadores, ainda que encontre nela um sentido que dialoga com aquilo que assistimos: a viagem é realmente longa e torná-la, aparentemente, ainda mais longa, é o que faz com que nos exasperemos junto com os protagonistas. Ao mesmo tempo em que a sensação de perigo, como não poderia deixar de ser, parece ser sempre iminente.

Sem encontrar solução fácil, o filme ainda nos joga na cara o absurdo do tratamento dado aos imigrantes que, ao fim, conseguem mal e porcamente atravessar a fronteira - o que ocorre com um sem fim de subornos e milhares de perdas pelo caminho. Recheada por ótimas metáforas, a película ainda utiliza uma sequência em um frigorífico para, visualmente, estabelecer uma rima para aquilo que assistimos: quem afinal são os animais? E o que será necessário para sobreviver nesse contexto em que não ser "enjaulado" é uma vitória? Donald Trump não se reelegeu, mas como amenizar os traumas de milhares de pessoas que são presas na Fronteira, apenas por serem de outro País? Como equacionar o problema da xenofobia, do preconceito, do racismo? Quando olharemos para o outro com mais empatia, com menos violência, de forma mais humana? Com menos crueldade? O gosto amargo na conclusão do filme parece apontar para um caminho que nem a placidez da neve, que cai mansamente, consegue aplacar.

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