terça-feira, 17 de novembro de 2020

Cinemúsica - Alta Fidelidade (High Fidelity)

De Stephen Frears. Com John Cusack, Jack Black, Iben Hjejle, Catherine Zeta-Jones e Lisa Bonet. Comédia dramática / Romance, EUA, 2000, 113 minutos.

Acho que um dos aspectos que mais gosto a respeito da trilha sonora de Alta Fidelidade (High Fidelity) é o fato de ela estar diretamente conectada a história. E quando eu falo conectada, quero dizer que muitas das canções surgem como peças "ativas" da narrativa, o que lhes dá fluência, sugere intertextos e amplia a nossa percepção a respeito daquilo (ou daqueles) que acompanhamos. Como exemplo disso, cito a sequência em que Marie De Salle (Lisa Bonet) faz uma bela interpretação de Baby I Love Your Way, do Peter Frampton, obrigando o cínico e mau humorado protagonista Rob Gordon (John Cusack) a reconhecer o potencial por trás de uma música que ele, aparentemente, não gosta. Em outro momento - este mais divertido - o folgado Barry (Jack Black) reclama do fato de estar tocando uma canção do Belle & Sebastian na loja de discos do protagonista, sugerindo que esta seja substituída por algum material mais visceral, mais enérgico e menos monótono do que o som dos escoceses.

Sim, porque no filme baseado na obra de Nick Hornby, a música não é apenas um elemento que servirá para ilustrar certa passagem da narrativa, ou que servirá para evidenciar, com sua letra, aquilo que está sentindo (ou pensando) este ou aquele personagem. Em Alta Fidelidade a trilha sonora quebra JUNTO a quarta parede, sendo inserida de forma orgânica, praticamente o tempo todo, se misturando as muitas sequências, possibilitando caminhos, sugerindo estados de espírito. Assim, não é por acaso o fato de a movimentada Crocodile Rock de Elton John surgir em um momento em que Rob relata as alegrias de uma paixão da adolescência. O mesmo valendo para o momento em que o introspectivo Dick (Todd Louiso) explica para uma cliente da loja de discos sobre o fato de o Green Day ter se inspirado no hardcore do Stiff Little Fingers para gestar os seus primeiros álbuns. A música tá ali. O tempo todo. A toda hora insinuando caminhos, demarcando territórios.

No livro A Música Pop no Cinema do precocemente falecido Rodrigo Rodrigues (morreu de Covid-19, diga-se), o autor explica que a lista final de 12 canções, que viria a compor a trilha sonora, partiria de cerca de duas mil músicas, o que dá conta do cuidado dos produtores - entre eles John Cusack, que se envolveu nessa empreitada. Isto resultaria em uma coletânea classuda de clássicos do Velvet Underground, do Bob Dylan, do Stevie Wonder e até do Stereolab, sendo o próprio Jack Black, responsável por uma releitura de Let's Get It On, do Marvin Gaye. Aliás, Barry foi escrito pensando em Black e é ele que garante algumas das sequências mais divertidas da película, com seu comportamento abusadamente petulante, presunçoso - o que, de alguma forma, não deixa de ser uma forte crítica àquelas pessoas que se acreditam num plano superior por seu gosto musical (alô, roqueiros!).

Sobre o filme em si, ele vale cada segundo. Tão divertido quanto melancólico, funciona direitinho tanto como feel good movie quanto como romance escapista, com Rob fazendo uma revisão dos principais relacionamentos (frustrados, claro), de sua vida, depois da namorada Laura (Iben Hjejle) lhe dar o fora. Enquanto repassa os acontecimentos para tentar compreender onde as coisas degringolaram em cada um dos cinco namoros - e as listas de "cinco" são um clássico dentro da narrativa -, é acompanhado por reflexões, medos e inseguranças comuns a qualquer um de nós. Não por acaso, uma das sequências mais bacanas é aquela em que Bruce Springsteen em pessoa surge interpretando ele mesmo, na tentativa de "iluminar" os pensamentos do protagonista. Leve, fluído e absurdamente musical, Alta Fidelidade completa 20 anos de lançamento neste 2020, sendo impossível não associar a sua trilha sonora à qualidade - e a capa do disco, que vendeu milhões de cópias mundo afora e que "imitava" o clássico A Hard Days Night dos Beatles, segue como uma das mais memoráveis de todos os tempos. Bom demais!

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