quarta-feira, 27 de maio de 2020

Cine Baú - O Mensageiro do Diabo (The Night of the Hunter)

De: Charles Laughton. Com Robert Mitchum, Shelley Winters, Billy Chaplin e Sally Jane Bruce. Terror / Suspense, EUA, 1955, 93 minutos.

Crítica severa ao fanatismo religioso e aos "falsos profetas" que teimam em aparecer, o clássico O Mensageiro do Diabo (The Night of the Hunter) - único filme do diretor Charles Laughton -, se mantém atual não apenas por conta de sua temática, mas também por permanecer como uma das mais perturbadoras e macabras experiências cinematográficas da história. Nesse sentido, é um filme que se mantém atual: tem um vilão ao mesmo cínico e assustador, uma narrativa de grande fluidez e um visual que mistura devaneio expressionista com conto de fadas de terror. Na trama, baseada em um conto de Davis Grubb, o pastor Harry Powell (Robert Mitchum) - um serial killer que mata viúvas ricas -, vai parar na prisão e descobre que o seu parceiro de cela, que está condenado à morte por um duplo assassinato, esconde um bom volume de dinheiro do lado de fora da cadeia. Quando o sujeito é solto ele resolve ir atrás da família do homem, mais especificamente de seus filhos, que sabem do "paradeiro" da grana.

Por "ir atrás" leia-se perturbar a viúva Willa (Shelley Winters) e seus filhos John (Billy Chaplin) e Pearl (Sally Jane Bruce), de todas as formas. Com um charme perverso, Harry, um sujeito tão monstruoso quanto enigmático, se aproximará de Willa, arrumando um matrimônio com ela, que será convertida em uma religiosa fervorosa, temente à Deus e arrependida de seus pecados. Ao mesmo tempo, esse excêntrico vilão que trafega no limite entre a benevolência forçada e a maldade galopante se esforçará para tentar se aproximar das crianças, arrancando delas o segredo sobre o local em que o dinheiro se encontra. Se por um lado a obra ataca a cegueira de uma esposa devota - incapaz de perceber as reais intenções de seu novo marido, mesmo quando ele se nega a manter relações sexuais com ela -, por outro, não faz concessões na denúncia da maldade humana, quando essa mesma esposa surge morta, embaixo da água, em uma sequência tão impactante quanto onírica.


Aliás, esse clima de sonho meio "torto", de alucinação esquizofrênica que permeia a película, merece destaque. Se por um lado o senso de humor difuso faz lembrar alguns dos recursos empregados por Alfred Hitchcock em seus suspenses (mesmo nos mais assombrosos), por outro a estética cheia de floreios bucólicos, de contrastes no uso da luz (e das sombras) e os closes oblíquos nos remetem imediatamente ao cinema alemão dos anos 20. E, nesse sentido, a sequência na corredeira do rio - com as crianças dentro do barco -, é pródiga no emprego da técnica, com sapos, teias de aranhas e plantas aquáticas contrastando com o delírio absurdo de uma perseguição violenta (e mortal) do protagonista, que vai atrás das duas crianças sem descanso, sufocando o espectador. E não é por acaso que a sequência em que Harry surge a cavalo no horizonte, cantarolando a sua música tenebrosa, enquanto as crianças tentam descansar em um estábulo no meio do nada, é de gelar qualquer espinha.

Utilizando ainda truques como imagens aéreas (uma inovação pra época), planos sequência e cortes secos, o filme ainda tratará o séquito de religiosos, caso da vizinha Icey Spoon (Evelyn Varden), em um coletivo difuso, conservador, que vê Willa como uma mulher desamparada apenas por não ter um marido. E, pior: tratando ainda o reverendo com toda a "reverência" (com o perdão do trocadilho), apenas por este ser alguém ligado à Igreja, ignorando seu comportamento cheio de contrastes, condição denunciada pelas tatuagens que mantém em suas mãos. Quando foi lançado, O Mensageiro do Diabo foi um fiasco de bilheteria. Já a crítica também detestou, assim como a Igreja, que não concordou com a forma com que os religiosos foram retratados (especialmente na cena final, em que a massa zumbificada avança pela cidade disposta a fazer justiça com as próprias mãos). Nos dias de hoje o clima é outro: a obra costuma figurar em diversas listas de melhores, como no caso do livro 1001 Filmes Para Ver Antes de Morrer e na relação de 100 Filmes Essencias da finada Revista Bravo! - numa honrosa 14ª posição. Não é pouco.

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