quarta-feira, 20 de maio de 2020

Tesouros Cinéfilos - Marcas da Violência (A History of Violence)

De: David Cronenberg. Com Viggo Mortensen, Maria Bello, Ed Harris e William Hurt. Drama / Suspense / Policial, EUA / Alemanha, 2005, 96 minutos.

Já dizia o Dalai Lama que "a violência não é um sinal de força, a violência é um sinal de desespero e fraqueza". Bom, de alguma forma a frase dita pelo líder espiritual tibetato dialoga diretamente com esta pequena joia moderna dirigida por David Cronenberg (A Mosca, Gêmeos: Mórbida Semelhança). Uma obra que se mostra muito menos interessada em discutir a origem - ou a natureza -, do comportamento violento, mas sobre como ele poderá acompanhar o homem comum em sua tentativa diária de apenas existir. Tudo começa quando Tom Stall (Viggo Mortensen) - um sujeito tranquilo de uma cidade do interior - vê a sua rotina virar de ponta cabeça quando ele impede um assalto no restaurante que gerencia. Mais do que isso: antecipando o perigo mata os criminosos com grande habilidade, salvando não apenas os empregados do estabelecimento, mas também os clientes que ali estão. O que o faz ser alçado, instantaneamente, a herói nacional.

Tom é casado e mantém uma relação amorosa e de carinho com a esposa Edie (Maria Bello). Tem dois filhos, em um ambiente doméstico harmonioso - o que nos é mostrado já nos primeiros minutos de Marcas da Violência (A History of Violence). E, tentará, a despeito da pressão midiática e do apoio da população local (e até do xerife), retornar à normalidade. Mas como retornar à normalidade, quando você "se torna" um assassino? A situação piora quando surge na vida da família um certo Carl Fogarty (Ed Harris, sempre ótimo), que garante conhecer Tom. Aliás, garante conhecer não como Tom e sim como uma outra versão que responde pelo nome de Joey: um mafioso que teria lhe deixado desfigurado no passado. E é quando surgem as dúvidas para o espectador, que o filme ganha força: estará Fogarty falando a verdade? Quais os segredos do passado, que envolvem Tom? E como fica a família, que passa a ter a sua rotina modificada, invadida pela presença perturbadora daqueles sujeitos?


Trata-se de um bom suspense, mas que pretende, aparentemente, propor uma discussão maior: podemos mudar aquilo que somos em nossa essência? Podemos nos tornar pessoas afáveis e cordiais, deixando para trás um comportamento oposto a esse? Fogarty vem a procura de Tom para encontrar um criminoso com quem ele tem contas a acertar relativas ao passado. Encontra um "homem de bem", casado a vinte anos, respeitado na comunidade, temente à Deus. Isso é possível? Não há respostas prontas para o exercício que propõe Cronenberg - que coloca o protagonista na parede, transformando o espectador no próprio "tribunal improvisado". E a interpretação de Mortensen, sempre com uma fala mansa e olhar doce, torna esse exercício ainda mais interessante. Melhor: repare a expressão ao mesmo tempo de susto e de asco com que ele dispara o revólver na cena em seu restaurante. Ele não queria fazer aquilo, certamente. Ou não? Está na natureza dele este comportamento impulsivo? É possível escapar daquilo que ele talvez seja em sua essência?

Eu nunca sei dizer se um filme que propõe muitas perguntas sem respondê-las é bom, mas o caso é que Cronenberg faz isso com grande habilidade, mantendo o nosso interesse o tempo inteiro. A gente fica cheio de dúvidas sobre o que pensar. O mundo é violento, afinal, mas como devemos (re)agir a ele? É o tipo de narrativa que me faz lembrar outro ótimo filme, no caso O Pagamento Final (1993), do diretor Brian De Palma. Naquela obra, Al Pacino é o gângster Carlito, que sai da prisão disposto a ser um novo homem, que pretende deixar pra trás a vida de crimes. Não demora mais do que um dia fora da cadeia para que ele mergulhe em uma espiral de violência que, também relacionada ao seu passado, tornará praticamente impossível andar na linha. A violência, afinal, irá ao seu encontro. Assim como foi ao encontro de Tom. Ambos, Tom e Carlito, tiveram de enfrentar essa realidade de frente. Como a história acaba para cada um deles? Bom, só será possível saber assistindo aos filmes.

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