sexta-feira, 29 de maio de 2020

Foi um Disco que Passou em Minha Vida - Pinegrove (Marigold)

Lembro daquele filme cujo final mostra uma apresentação artística e um quadro cuja pintura eternizou um momento importante. Lembro das lágrimas da protagonista cujo sentimento era um misto de alegria e tristeza, um turbilhão de sentimentos conflitantes que, em uma época de impossibilidades, tornava tudo aquilo mais trágico e subversivo. Cada época com seus conflitos. Muito se conquistou para que pudéssemos amar livremente MAS... o efeito colateral, as muitas possibilidades, o acesso fácil e variado na palma da mão, acabou por transformar a conquista num jogo de perde/ganha. Até que ponto o excesso de amor próprio tão badalado e recomendado por especialistas é capaz de nos tornar tão frios, incapazes de enxergar o outro? Uma reação em cadeia que torna pessoas fraturadas em predadores vingativos, pródigos em causar no outro aquilo que sofreram?

Em outro filme, a personagem da atriz Gwyneth Paltrow é ensinada pela sua avó, desde criança, a fazer o sexo oposto sofrer. Avó cuja vida de abandono, loucura e ressentimento encontrou sua forma de “reparar” o dano sofrido no passado por alguém. O personagem de Ethan Hawke, em cena emblemática, registra sob forma (também) de uma pintura um raro momento onde a vida se faz surgir dentro de tanta frieza. É a Arte sempre presente de forma a eternizar pequenos milagres pois, como dizia o pensador, só viver não é suficiente. E existem obras que registram momentos, assim como citados acima: filmes, pinturas. Existem músicas que são como pinturas, retratos de um tempo, companheiros de jornada. E existe este disco que, lançado recentemente por uma jovem banda de Nova Jersey, ao qual retornei recentemente.


Desde criança sonhei com uma viagem, em conhecer aquele lugar que só existia nos sonhos. Um lugar de luz, som, cor, dança, delícias gastronômicas. Várias etapas se passaram até chegar o grande dia - foram muitos anos. Lembro do frio externo abaixo de zero, mas do calor no peito. Lembro de deitar na cama na primeira noite, colocar o fone de ouvido e ouvir Marigold. Tudo fazia sentido. Foi um período em que coisas incríveis brotavam do smartphone, os sons, as palavras, as imagens. Era muito raro tudo aquilo e, para coroar, veio a neve, minha Macondo particular, na sacada do hotel. Um sentimento forte de compartilhar felicidade em uma época que escrevi corações e nomes na neve. De novo, era o frio externo e o calor no peito. E a trilha sonora que embelezava tudo aquilo naquela felicidade melancólica.

A natureza nos dá alguns sinais. Assim como a neve derrete e o nome desaparece, tudo é passível de desmoronar de uma hora pra outra. Lembro do ansioso retorno. Lembro dos desafios, de quantas noites peguei aquela estrada em busca de um futuro. Lembro das raras palavras de carinho e apoio, e de quando tudo desmoronou. Era o calor externo e o gelo interior. Lembro daquela trilha sonora no carro que remeteu à lembrança de um período feliz e que, naquele momento, me rasgava o peito. Lembro de quando eu percebi que não restava outra alternativa a não ser desistir. Como diz aquele senhor naquela série para o personagem que está sofrendo e quer esquecer de um amor mal (existe isso?) sucedido: você deve ser a figura mais sem graça que existe. Eu daria qualquer coisa para ter meu coração partido novamente. O pior ainda está por vir: é quando você esquece dela, é quando você não dá mais a mínima.

Um único instante de amor justifica uma vida inteira, li em algum lugar.

É difícil ser original quando tanto já se falou sobre. É difícil ter que retornar para algo que criamos em nossa mente, que não sabemos se é verdadeiro ou não. Mas se a lembrança é unicamente nossa e tão clara, porque não considerá-la verdadeira? E se, depois de alguns meses, retornamos com receio àquela trilha sonora e percebemos, ao invés de dor, beleza? Não terá valido à pena? Em minha pintura mental a neve que derretia virava água e escorria pelos escombros, atingia o piso de concreto penetrando pelas frestas, servindo de nutriente até encontrar um solo fértil. Hoje floresceu. Na metáfora óbvia da flor nascendo no concreto brotou uma calêndula, e esta virou um quadro pregado na parede. Hoje me emociono quando revejo este filme, mas não é de tristeza: há orgulho e paz. Amadurecer requer coragem, destruição e reconstrução.

Há algo de belo na dor, e na trilha sonora que nos ajuda a florescer.

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