Vou confessar a vocês: acho que o fato de saber pouco sobre O Caso de Richard Jewell (Richard Jewell) tornou a minha experiência com o filme melhor do que se soubesse de todos os pormenores envolvendo o acontecido. Assim, se vocês não se lembram muito bem dos detalhes, ou mesmo nunca ouviram falar do episódio real do atentado à bomba ocorrido em Atlanta, algumas semanas antes dos Jogos Olímpicos de 1996, melhor! O que o filme de Clint Eastwood - o melhor desde Gran Torino (2008) - faz, é retornar para aqueles dias, nos apresentando ao Richard Jewell do título. Vivido por Paul Walter Hauser, Jewell é um segurança que mora com a mãe, sonha em ser um respeitado policial e tem em seu histórico alguns episódios de abuso de autoridade, que depõem contra ele. Quando o atentado à bomba em Atlanta acontece, ele se torna o principal suspeito do caso - não apenas por ter sido a pessoa à identificar o artefato, mas por ser uma figura excêntrica, o tipo de incel inseguro que, querendo chamar a atenção para si, poderia ter perpetrado o ato.
E por mais que a história de Richard Jewell seja bem conhecida nos Estados Unidos, o que torna o filme uma experiência divertida e (quase) perturbadora é o mergulho na vida do protagonista - e aqui, cabem todos os elogios à Hauser pela ambiguidade de sua caracterização. Jewell teria toda a pinta de ser, de fato, o autor do atentado. Inseguro, antissocial, morando com a mãe aos trinta e muitos anos. Tendo dificuldade em se manter em empregos e ainda sofrendo bullying por ser acima do peso, ele teria o perfil ideal para a raiva do mundo, para o ódio e para a misoginia. Mas será mesmo? Seu único amigo e ex-patrão (Sam Rockwell) se torna também seu advogado, o que rende ótimas cenas, como aquela em que este pergunta à Jewell se ele já participou da reuniões da Ku Klux Klan, se é integrante de milícias, de grupos de ódio, se é conservador religioso ou de outros coletivos que costumam formar o combo padrão do anarquista moderno.
Os modos pouco expansivos do sujeito, a voz tímida, o amor incondicional à mãe (Kathy Bates, em papel que lhe deu nominação ao Oscar - um exagero, diga-se), a falta de trato na hora de enquadrar adolescentes em pátios de colégios, nos deixa em dúvidas o tempo todo sobre Jewell. Há horas, como no instante em que ele mostra ao advogado a sua coleção de armas (que seriam apenas para a caça), que a gente pensa "é ele". Em outros, como no esforço quase ingênuo de auxiliar o FBI nas investigações, ele parece se afastar do estereótipo "bandido silencioso pronto pra iniciar uma chacina". Aliás, o FBI tem na figura de Tom Shaw (Jon Hamm, no piloto automático) seu principal investigador. E, confesso, em alguns momentos me perturbou a forma quase amadora e até persistente, com que os detetives encararam o caso - como se Jewell precisasse à todo custo, ser o "bode expiatório" deles, um terrorista que precisava ser liquidado e que estaria pronto à fazer mais maldades.
Mas tão mal retratados quanto os investigadores, esteve a jornalista vivida por Olivia Wilde que, se existiu na vida real, só nos resta lamentar, especialmente pelo mal que faz a classe. Na ânsia por uma história bombástica, não apenas forçou a barra para colocar a história de Richard Jewell na capa de um jornal de Atlanta, como ainda o fez em troca de sexo. E, aqui, a meu ver, ocorre muitas vezes o problema de alguns filmes de Eastwood: o maniqueísmo. E é por isso que saudei tanto a ambiguidade bem-vinda nesta obra, que retira um pouco aquele clima de "o mau ser mau e o bom ser bom o tempo todo". No mais os filmes do diretor costumam ser fáceis de apreciar, mesmo diante da complexidade de certos temas. Há bastante linearidade, um linguajar claro e objetivo e às vezes até alguma redundância (aos 90 anos Clint já sabe que nem sempre são preciso palavras quando a imagem seria mais do que suficiente, mas prefere usar igual o recurso pra que nada se perca). Conduzido com senso de humor e otimismo, o filme ainda presta uma justa homenagem aos heróis involuntários. Algo que nem o marasmo do terço final da obra e seu diálogo ostensivo com o público mais conservador, chega a comprometer.
Nota: 8,0
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