Capítulo inaugural da Trilogia da Fronteira, Todos os Belos Cavalos, do escritor norte americano Cormac McCarthy - lançado pela editora Alfaguara -, é obra sobre rupturas. Sobre amadurecimento. Sobre deixar o passado para trás ou, até mesmo, mergulhar nesse mesmo passado, antes que aquilo que vemos no horizonte oficialmente chegue. É livro de contrastes que coloca frente a frente tradição e modernidade, juventude e experiência, lançando um olhar tão bruto quanto carinhoso a seus personagens que, apegados de forma umbilical a algumas convenções, parecem presos a um estilo de vida alterado por aquilo que se conhece por "civilização". O protagonista é um jovem de nome John Grady Cole, um adolescente de 16 anos que acaba de perder o pai, e que se vê privado da vida de fazendeiro texano que teria quando a mãe, uma respeitada artista de teatro, anuncia que pretende vender a propriedade que já está há várias gerações com a família. A trama se passa nos anos 40, é bom mencionar.
Contrariado, John Grady decide fazer, nestas circunstâncias, o que qualquer adolescente de 16 anos faria: pega seu cavalo, monta nele, chama seu amigo Lacey Rawlings para lhe acompanhar e resolve empreender uma jornada meio sem rumo, sem destino definido, em direção ao México. Cruzando pradarias, seus choupos, ravinas, mesetas, planícies e riachos, em meio a natureza selvagem, árida e pedregosa, apenas com os seus animais, um pouco de dinheiro e alguns mantimentos. No caminho, o indefinido. A busca por algo que seja palpável em um contexto em que as responsabilidades gritam e a infância (e a inocência) pareçam efetivamente próximas do fim. No caminho encontrarão um terceiro jovem, de nome Blevins, tão cheio de segredos quanto os dois protagonistas. Ou com mais segredos que os protagonistas, como descobriremos mais adiante. Em meio a cordilheiras e pastos verdejantes, o sentimento de solidão e de busca que invade, que grita.
Todos os Belos Cavalos foi é o quinto dos nove romances escritos até o momento por McCarthy - o segundo que leio, depois de A Estrada (2007). Lançado em 1992, trata-se de uma leitura nem sempre fácil, mas que transborda toda a melancolia daquele cenário inóspito em suas páginas. McCarthy se apropria como poucos da geografia do local que descreve, não sendo difícil imaginar cada rochedo ultrapassado em meio ao frio da noite ou as trilhas que bordejam rios e que lhes conduzirão a fazendas isoladas, propriedades perdidas (quase) no meio do nada. Em uma delas, avançando pela fronteira mexicana, Lacey e John conseguirão trabalho, após uma perseguição envolvendo Blevins. No lugar capitaneado pelo hacendado Don Hector domarão cavalos, trabalharão pela comida. E John se apaixonará pela filha do patrão, Alejandra. Um amor que, de alguma forma, se mostrará proibido e que terá uma série de nuances (inclusive políticas), como revelará mais tarde a tia-avó da jovem.
Nesse sentido, será mais adiante que Lacey e John se depararão com a violência do mundo, que lhes vinha fresteando na natureza selvagem, na companhia inesperada. O mundo de liberdade tem seu preço afinal e, muitas vezes, estaremos sujeitos a fatores externos que fogem do nosso controle. [ALERTA DE SPOILER] A dupla, por exemplo, acabará presa. Por um crime que talvez não tenha cometido. E de que forma sobreviver nesse contexto em que a brutalidade parece irromper a cada olhar? Hábil em sua narrativa, McCarthy torna as palavras tão ásperas quanto a narrativa em si - "[...] ficou parado sobre o cavalo um instante e olhou a planície para o norte onde o gado já começava a aparecer surgindo lentamente na pálida paisagem e mugindo baixinho para os cavalos e a ideia de que seu pai estava morto naquele país e ficou parado no cavalo nu sob a chuva e chorou" -, forçando o leitor para a quebra de lógica da falta rude de vírgulas. Algo que não é repetido para a transposição para o cinema, que resultou em uma obra mais "leve" dirigida por Billy Bob Thornton e que recebeu o nome em português de Espírito Selvagem (2000). Já o livro segue grandioso, assim como suponho ser as mais famosas obras do autor, casos de Meridiano de Sangue (1985) e Onde os Velhos Não Tem Vez (2005). Serão futuras leituras, certamente.
Muito bacana.
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