De: Jack Zagha Kababie. Com José Carlos Ruiz e Hoze Meléndez. Comédia / Drama, México, 2015, 91 minutos.
É nesse universo de contrastes sobre a percepção do trabalho que reside a força dessa verdadeira joia mexicana perdida na Netflix, que responde pelo título de Almacenados (Warehoused). O jovem em questão é Nin (Hoze Meléndez), um rapaz de cerca de 20 anos que atravessa a periferia da Cidade do México para chegar até o depósito de uma empresa que fabrica hastes e mastros - mas que recebe apenas o segundo tipo de produto -, para o seu primeiro dia de trabalho. No local, Nin é recebido pelo sexagenário Sr. Lino (José Carlos Ruiz), que está há cinco dias de aposentar. Só que antes de pendurar oficialmente as chuteiras - após 39 anos dedicados à empresa - , Lino deverá repassar todos os procedimentos para o novo encarregado, que envolvem receber os caminhões que chegam com a mercadoria, anotar as entradas, processar as saídas, anteder telefone e garantir a manutenção e a limpeza do local. Um trabalho não muito movimentado e bastante analógico: nunca se sabe quando pode chegar um caminhão. Pode chegar a qualquer momento. Ou mesmo não chegar.
Então o trabalho deles é esperar. Pacientemente. Como se fossem personagens de alguma peça de Samuel Becket ou os soldados isolados (e entediados) do livro O Deserto dos Tártaros do escritor Dino Buzatti. E, assim, o que eles farão será conversar. E será por meio dos imperdíveis diálogos que as diferenças surgirão. E que as pequenas quebras de lógica serão estabelecidas. Metódico, o Sr. Lino está acostumado a, diariamente, passar o ponto às 6h53, a fazer o seu lanche às 10h e a permanecer sentado para abrir o depósito, assim que escutar o barulho do caminhão da empresa fresteando a rua. Orgulhoso, fala de clientes famosos, inclusive dos Estados Unidos, que são compradores. Um universo de satisfação a despeito do baixo salário, da monotonia e do absurdo do comportamento repetitivo, de poucas novidades. É mais ou menos como o operário visto em Tempos Modernos, mas com uma ânsia menor em apertar parafusos, mas grande no ideal simbólico de "vestir a camisa".
Nesse sentido, não é por acaso que o telefone do depósito ainda é a disco. E a máquina de registro de ponto parece saída de algum filme dos anos 40. Há teias de aranha espalhadas pelo ambiente, vidros quebrados. O tipo de galpão meio deteriorado, acinzentado, que todos nós já vimos. O ambiental em si, ultrapassado, corroído, representa uma ideia antiga de trabalho, analógica, nada moderna. Nin chega trazendo um sopro de frescor. Sugerindo inovações que parecem saídas de algum caderno subversivo de contestação. Entre elas, pergunta ao Sr. Lino se não pode passar o cartão ponto para colocar o jaleco da empresa DEPOIS de iniciar o trabalho. E resolve trazer a sua própria cadeira, já que a empresa não lhe oferece uma. Aqui e ali esses comportamentos serão discutidos, funcionando o microcosmo daqueles dois sujeitos como uma idealização daquilo que se vê, inclusive, em modernos corredores de empresas, onde empregados antigos se defrontam com novos, onde ideais obsoletos vão dando lugar a noções mais oxigenadas. E isso não significa renegar trajetórias, e sim, respeitar o tempo de cada um. Hábil, Almacenados reservará surpresas para o terço final, fazendo com que esses dois sujeitos encontrem motivações maiores naquilo que executam. E a espera, valerá a pena.
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