quarta-feira, 13 de maio de 2020

Cine Baú - Assim Caminha a Humanidade (Giant)

De: George Stevens. Com Elizabeth Taylor, Rock Hudson, James Dean e Mercedes McCambridge. Drama / Faroeste, EUA, 1956, 201 minutos.

Existe uma cena quase ao final de Assim Caminha a Humanidade (Giant) que, em partes, resume toda a discussão proposta por esse clássico do diretor George Stevens (Os Brutos Também Amam). Nela, Jordan Benedict (personagem de Dennis Hopper) desafia o seu pai, o conservador criador de gado Bick Benedict (Rock Hudson), fazendo-o encarar a dura realidade de que ele não passa de um sujeito racista e preconceituoso - aliás, algo que já estava claro para os espectadores, em quase três horas e meia de projeção. Bick, afinal, é aquele texano à moda antiga: um sujeito da "família de bem", temente à Deus e apegado as coisas materiais, que jamais percebe a América de contrastes em que está inserido. Ou talvez finja não perceber. Naquela altura do campeonato, Bick tem dificuldade de aceitar o fato de que o seu filho tão amado casou com uma mexicana. Pior ainda: ele não pretende seguir carreira como fazendeiro, abrindo mão dos mais de 500 mil hectares de áreas de terras e dos animais, optando pela medicina como profissão.

Quando foi lançado, o filme baseado na obra da escritora Edna Farber imediatamente se tornou um líbelo não apenas da importância do debate sobre discriminação racial, mas também de outros temas como o papel da mulher na sociedade (e na vida pública) e de como o poder corrompe o homem. Como análise um pouco mais ampla, o microcosmo da família Benedict - em cena são transcorridas três gerações, que terminam com filhos e o nascimento dos netos -, não deixa de ser um recorte para a própria consolidação dos padrões e valores estabelecidos pela sociedade americana até os dias de hoje. Um País, por sinal, cheio de contrastes, reflexo de uma economia e de um sistema político desajustado, que era capaz de tornar um homem milionário da noite para o dia - o que vemos personificado na figura complexa vivida por James Dean -, ao passo que os imigrantes e os empregados da fazenda conviverão com a pobreza extrema e com a vulnerabilidade social praticamente o tempo todo.


Aliás, nesse sentido, aparentemente pouco coisa mudou da época em que o Texas se consolidou como um Estado rico e forte, cheio de grandes empresas petrolíferas e, futuramente, de tecnologia, com o dinheiro concentrado na mão de poucos e a pobreza na mão de muitos. E quando Leslie (Elizabeth Taylor) sai do leste para chegar à propriedade de Bick casada com este, não demora para que ela perceba essas discrepâncias. O patrão mal cumprimenta seus empregados - "nós não falamos com essa gente", argumenta ele em certa altura. Pior: os mantém na mais completa miséria em um pequeno povoado em que o alimento mal dá que chega e a assistência médica inexiste. Será em um passeio pela ampla propriedade com Jett Rink (o já citado James Dean, em seu último filme) - inicialmente um empregado de Bick -, que fará a ficha de Leslie cair. Ela não deixará de amar o seu marido, apesar dos pesares e de seu comportamento antiquado (estilo Bancada do Boi, votante do "mito"). Mas procurará, aqui e ali, tornar a convivência um pouco melhor, auxiliando os trabalhadores da propriedade no básico, aproximando-se deles e não tratando-os como diferentes apenas por serem pobres.

No fim das contas Assim Caminha a Humanidade também foi uma obra em que se sobressaíram os conflitos geracionais, com os filhos dos filhos não ficando mais presos àquele esquema proposto por seus pais, tendo vontades próprias e, até mesmo, acenando para agendas mais "progressistas" (como já mencionado no caso do médico interpretado por Hopper). E é por isso que a obra-prima se mantém tão relevante, a despeito do climão novelesco e de algumas sequências meio datadas (como é o caso daquela da festa ao ar livre que, a meu ver, é de uma breguice sem tamanho). Indicada em dez categorias no Oscar - Stevens faturou a estatueta como Diretor -, a película é figurinha fácil em listas de melhores, como é o caso da dos 100 filmes estadunidenses, elaborada pelo American Film Institute (AFI) - ficou em 82º lugar. Em livros como o dos 1001 Filmes Para Ver Antes de Morrer, a obra também tem lugar cativo, permanecendo nos corações dos cinéfilos como uma saga familiar épica, cheia de grandes discussões e de uma série de momentos inesquecíveis.


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