terça-feira, 7 de abril de 2020

Tesouros Cinéfilos - O Clube (El Club)

De: Pablo Larraín. Com Marcelo Alonso, Antonia Zegers, Francisco Reyes, Alfredo Arturo Castro Gomes e Roberto Farias. Drama, Chile, 2015, 98 minutos.

De clássicos literários como O Nome da Rosa (1980), de Umberto Eco, a filmes recentes como Spotlight: Segredos Revelados (2015), de Tom McCarthy, não foram poucas as produções culturais que abordaram, através dos tempos, a hipocrisia reinante em alguns setores da Igreja Católica. Aliás, existe um livro do jornalista francês Fréderic Martel chamado No Armário do Vaticano, que vai ainda mais a fundo na discussão de temas como abusos sexuais, pedofilia e outros crimes cometidos por cardeais, padres e sacerdotes, que acabam encobertos pela "cultura do sigilo" que costuma esconder os excessos por medo de escândalos e de reações diversas da opinião pública. Bom, eu não li o livro de Martel, mas pelo que diz nas resenhas e resumos, ele parece estabelecer um forte diálogo com as temáticas do perturbador filme O Clube (El Club), obra do chileno Pablo Larraín (No), que faturou o Urso de Prata (Prêmio do Juri), no Festival de Berlim de 2015.

Na trama, quatro sacerdotes vivem em uma pequena casa de um vilarejo litorâneo (La Boca), acompanhados de uma freira. A rotina de atividades prosaicas como o treinamento de cachorros para corridas e passeios pela praia será quebrada com a chegada de um quinto religioso ao local, que rapidamente desencadeará uma série de situações de instabilidade que, aos poucos, revelarão a natureza daquela espécie de hospedagem. Após um crime (e uma morte), um certo padre Garcia (Marcelo Alonso) será destacado para investigar o ocorrido. E será durante esse processo que segredos envolvendo aqueles padres virão à tona: afastados pela Igreja Católica estão ali, em reclusão, por serem pecadores e terem cometido transgressões diversas - de pedofilia, passando por ocultação de crimes durante a Ditadura Militar chilena, até tráfico de crianças.


Bom, não é exagero dizer que, a despeito da temática pesada, a obra é conduzida com elegância, aproveitando-se de sua atmosfera densa, enfumaçada, para ir desnovelando seus detalhes aos poucos. Entrevistados por Garcia, os demais padres apresentarão as suas motivações, o que colocará em cheque uma série de dogmas da Igreja Católica - caso do celibato, da criminalização do homossexualismo e até mesmo do aborto como uma prática possível. Pode não ser muito palatável para pessoas excessivamente religiosas - aliás, fuja do filme, se você não consegue lidar com o questionamento de suas convicções -, mas aqueles que compreenderem o debate proposto, encontrarão em O Clube um verdadeiro documento de nosso tempo. Um tempo, aliás, em que pessoas cruéis, mentirosas e maquiavélicas, se escondem por trás da fachada de um sorriso ameno, de uma atitude plácida e de uma voz calma - quase a personificação do "novo fascista", pronto para produzir um universo de violência, enquanto fala sobre ética, família e bons costumes.

Ainda sobre a parte técnica, interessante observar como fotografia, trilha sonora e enquadramentos são utilizados a favor da narrativa. A fotografia acinzentada, quase pálida, esmaecida, somada aos acordes tristes e urgentes da trilha, compõem um cenário de desolação e melancolia, que é completado pelo clima claustrofóbico que reina nos apertados cômodos da casa (aliás, observe como parece difícil a existência de todos eles juntos em um mesmo cenário). E há ainda a ótima intepretação dos atores, com destaque para Antônia Zegers como a Irmã Mônica - figura cheia de ambiguidades -, e Roberto Farias como Sandokan, um jovem traumatizado por abusos sexuais de um Padre, em sua infância. Aliás, o filme é tão carregado de tensão, que um simples monólogo de Zandokan sobre perversões sexuais diversas, ainda no começo da película, já nos deixa completamente embasbacados. É filme literalmente de gente grande: com tema sério, abordado com inteligência e sutileza, dando o tapa na cara e questionando. E que merece demais ser descoberto.


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