quinta-feira, 23 de abril de 2020

Tesouros Cinéfilos - Seven: Os Sete Crimes Capitais (Se7en)

De: David Fincher. Com Morgan Freeman, Brad Pitt, Gwyneth Paltrow e Kevin Spacey. Suspense / Policial, EUA, 1995, 126 minutos.

Dentro do subgênero dos "filmes de serial killer", é provável que poucos sejam tão queridos e lembrados pelo público quanto Seven: Os Sete Crimes Capitais (Se7en). Lançado em 1995 por David Fincher (que mais adiante dirigiria Clube da Luta e A Rede Social), a obra reuniria Morgan Freeman e Brad Pitt como dois policiais encarregados de uma investigação que envolve um assassino que pratica seus crimes tomando por base cada um dos pecados capitais. Uma ideia genial já na origem, vamos combinar. Não bastasse um criminoso de modos imprevisíveis e excêntricos e dois delegados de personalidades distintas - Freeman o sisudo, pessimista e quase niilista William Somerset (que está pronto pra se aposentar, claro), Pitt o impetuoso, idealista e expansivo David Mills (o novato, óbvio) -, o filme ainda tem um dos finais mais EXPLODIDORES DE CABEÇA do cinema moderno - daqueles que permanecem conosco assim que os créditos começam a subir. É amargo, é quase delirante e é cinema hollywoodiano de altíssima qualidade, diga-se.

Só que até esse final ocorrer, somos assombrados juntos com Somerset e Mills com as cenas bárbaras dos crimes cometidos a sangue frio, que vão se descortinando no espaço de uma semana. Tudo começa com o assassinato de um homem obeso (a gula) que é praticamente OBRIGADO a comer até morrer, num tipo de tortura lenta, mas calculada, que estabelece a natureza do assassino que começará a ser perseguido. A avareza, a preguiça, a luxúria e a soberba aparecem em seguida, em crimes tão impactantes quanto os anteriores. Aliás, a sequência envolvendo a preguiça e a luxúria são daquelas de embrulhar o estômago, com o serial killer demonstrando uma ausência total de compaixão, um tipo de sociopatia doentia que vai evoluindo conforme os dias passam e a dupla de investigadores vai sendo surpreendida. E a construção do suspense e da tensão nesse transcorrer é não menos do que espetacular, com a montagem (indicada ao Oscar) se alterando cenas de crimes bárbaros e escritórios em que documentos são analisados e pistas para a formação do quebra-cabeças vão sendo gestadas.


Nesse sentido, trata-se do famoso filme "que passa voando", já que mal temos tempo de respirar entre um assassinato e outro. A chuva proposital que cai desvairadamente durante toda a semana em que o filme transcorre, contribui para o clima de melancolia generalizada e de desalento que se estabelece durante a narrativa e que dialoga com o estado de espírito dos detetives, diante da brutalidade e do absurdo dos crimes cometidos. A fotografia escurecida, a claustrofobia dos ambientes sufocantes, a trilha sinuosa de Howard Shore, tudo isso somado às pistas que são inseridas em pequenas doses, em pequenas pílulas (uma frase tirada de um livro, um detalhe esquisito em uma foto, uma digital enganosa), vão estabelecendo uma condição de sufocamento que deveria servir de aula para qualquer aluno de cinema que tenha o desejo de escrever um suspense. Aliás, é tudo tão bem orquestrado, que até as sequências de ação são injetadas de forma imprevisível e surpreendente, como é o caso da perseguição a um potencial suspeito, bem no meio do filme.

Não bastasse todos esses predicados, o filme ainda estabelece o vilão John Doe (Kevin Spacey) como uma figura perturbada, que mistura religião, beligerância e literatura, utilizando citações a autores como Dante Alighieri, John Milton e Geoffrey Chaucer para espalhar pistas - o que torna uma sequência prosaica como a ida de Somerset a uma grande biblioteca, como uma das melhores da película (pela tensão no ar, pela imprevisibilidade, pela falta de conhecimento generalizado). É um filme que também se utiliza de pequenos recursos sonoros e visuais - repare a forma como Doe mergulha um simples saquinho de chá em uma xícara, quase ao final -, e que vai se tornando maior, conforme nos surpreende. Especialmente quando percebemos que a resolução do caso não se dará no tradicional modo detetives + perseguição + sujeito preso de filmes do gênero (e, vamos combinar que a cena em que Doe surge ensanguentado ao pé da da escada da delegacia se ENTREGANDO a Mills é ao mesmo tempo repugnante e aterradora, investindo em um plot twist que só aumenta a nossa curiosidade, ao passo que TAMBÉM nos assombra).



E, como cereja do bolo, a película ainda conta com personagens secundários relevantes - a esposa de Mills, Tracy (Gwyneth Paltrow) terá importância na reta final, especialmente a partir de uma gravidez revelada e do desejo da concretização do sonho americano, de preferência longe de um cenário de violência. Aliás, será nessas minúcias que passaremos a nos importar com os personagens, sendo a cena do jantar (aquela do metrô), uma das mais importantes nesse sentido. E se um metrô que "chacoalha" uma casa, uma vida, seria uma metáfora óbvia para o universo em que estão envolvidos aqueles investigadores (com a lógica de suas existência sendo balançada pelo criminoso que procuram), ela ainda serve para a inserção de um divertido alívio cômico que envolve uma "taça" de vinho entregue ao personagem de Freeman - e que também serve para denunciar a diferença de personalidade de ambos os investigadores. É o filme completo que, 25 anos depois de seu lançamento, segue valioso. Merece demais ser revisitado.

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