sexta-feira, 24 de abril de 2020

Pérolas da Netflix - Tigertail (Tigertail)

De: Alan Yang. Com Tzi Ma, Christine Ko, Joan Chen, Fiona Fu e Kuei-Mei Yang. Drama, EUA, 2020, 91 minutos.

Existe uma sequência do filme Tigertail (Tigertail) que funciona mais ou menos como uma carta de intenções a respeito dos temas propostos pela película de Alan Yang (que dirigiu anteriormente episódios da série Parks and Recreation). Nela, um pai conversa com sua filha sobre as escolhas dela, especialmente na área dos relacionamentos, que poderão determinar o seu futuro. O pai está bastante preocupado com a parte financeira, com os bens materiais, em garantir uma boa casa, com conforto e segurança. A filha não parece muito afetada com isso: o que importa é que ela ama seu namorado (e candidato a marido), acreditando que o resto virá nessa "esteira". Só que a grande ironia deste filme é que, ao olharmos para as escolhas feitas pelo pai - seu nome é Grover e é interpretado na terceira idade pelo astro Tzi Ma - em sua existência será ele, agora, um paladino da moral no que diz respeito as decisões que serão tomadas pela filha Angela (Christine Ko) daqui para a frente?

Nesse sentido, a obra quase me fez lembrar a letra da canção O Velho e O Moço do Los Hermanos, em que numa espécie de reminiscência, o eu lírico de um idoso olha para o passado como quem suplica por uma nova chance para alterar aquilo que já está posto e quais seriam as consequências disso (E se eu fosse o primeiro / A voltar pra mudar / O que eu fiz / Quem então agora eu seria). Bom, o caso é que nós não temos como saber e como já foi dito em outras resenhas, somos o mais puro combo de imperfeições, procurando se adequar a um mundo complexo, recheado por convenções sociais questionáveis e padrões excentricamente estabelecidos. Quando jovem, bem jovem, no caso, Grover perde o pai em meio a um contexto de guerra em Taiwan, sendo criado pelos avós, em meio as lavouras de arroz. Já na idade adulta, reencontra a mãe e lhe faz a promessa de lhe garantir uma vida de qualidade, ao passo que deve encarar as novas responsabilidades que este momento lhe traz.


Para Grover, o símbolo de uma vida melhor - financeiramente, emocionalmente - está em migrar para os Estados Unidos. Enquanto não alcança esse objetivo, o rapaz trabalha em uma indústria (aliás a mesma em que sua mãe também é operária) e namora a jovem e Yuan (Joan Chen), sua verdadeira paixão. Só que quando sua mãe quase perde um braço em um acidente na indústria, Grover decide aceitar o convite de seu patrão para uma temporada trabalhando na Terra do Tio Sam. A condição: que case com sua filha Zhenzhen (Fiona Fu). Assim, o rapaz deixa uma vida simples no Oriente, local em que estaria perto de sua mãe e de sua verdadeira paixão, para investir em uma carreira que provavelmente lhe dará mais dinheiro, mais estabilidade, ainda que num casamento que claramente será infeliz, com uma pessoa que ele não gosta. E num local desconhecido, com barreiras de língua e todas as dificuldades iniciais em "projetos" do tipo. Preciso dizer a vocês se isso deu certo? Quando Grover aparece na versão idoso, brigando o tempo todo com sua filha e morando sozinho em um local ok, mas com pouca "vida" a gente já sabe que não.

Todos nós, afinal, fazemos escolhas erradas em nossas vidas - um emprego que escapa, uma paixão que poderia ter sido, uma viagem desperdiçada, pequenos instantes que não voltam mais. E o filme nos lembra o tempo todo que assim é a vida e não cabe a nós julgar. A própria Angela perderá o seu amor mais adiante e do que, afinal, terá adiantado as escolhas prévias? As brigas? Os desentendimentos? Nossos desejos parecem nunca ter fim e, em épocas de Instagram, as nossas vidas nunca parecerão tão suficientes quanto as demais. E Tigertail discute todos esses temas apostando na sutileza, em avanços pequenos e econômicos, em pequenos instantes que nos fazem largar um "aah, então é sobre isso que o filme está falando". Aliás, guardadas as proporções de estilo narrativo, esta obra me fez lembrar outro filme sobre pessoas que buscam ser felizes trocando a geografia, como se ela pudesse determinar a felicidade de alguém: o ótimo e melancólico Foi Apenas Um Sonho (2008), do Sam Mendes. Nele, o casal vivido por Kate Winslet e Leonardo DiCaprio acredita que poderá salvar seu casamento que desmorona, se conseguirem se mudar para Paris. Demora um pouco para que eles percebam que o problema do relacionamento deles está NELES e não no local onde moram. Pode ser tarde para que a gente perceba as coisas de forma um pouco mais cristalina. Ou nem tão tarde assim, já que a vida é feita de imprevisibilidades. Melhor assim, afinal.


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