A gente teria tudo para ter todos os pés atrás em um filme sobre anorexia - tema, aliás, pouco explorado no cinema, talvez também pelas dúvidas geradas em relação aos benefícios ou não desse tipo de debate em obras de ficção. A grande diferença, a meu ver, e que está presente no delicado O Mínimo Para Viver (To the Bone) é que a "curadoria" pôde ser feita pela própria Lily Collins, atriz que protagoniza o filme e que lutou contra a doença na adolescência. Para reviver a experiência, Lily participou de um programa de emagrecimento assistido, que buscava conferir mais realismo às cenas (doloridas, por sinal), em que o seu esquálido corpo aparecia. "No ano passado eu escrevi um livro e, uma semana antes de receber o script do filme, eu escrevi um capítulo sobre as minhas experiências [com a doença]. Foi como se o universo tivesse colocado estas coisas na minha esfera para me ajudar a encarar um medo que eu costumava ter e colocá-lo para fora como alguém que já passou por isso", revelou em entrevista, à época de lançamento da película.
A meu ver a experiência bastante particular de Lily confere mais força para um filme que mostra pessoas estigmatizadas por transtornos alimentares, em um tipo de batalha muito mais psicológica (ou emocional) do que necessariamente física - ainda que seja o corpo o afetado. É ele que o doente vê "distorcido", devendo a mente ser trabalhada no processo. É tudo muito complicado, mas a obra de estreia da diretora Marti Noxon olha com carinho para seus personagens, injetando drama e bom humor na medida certa no transcorrer da história e jogando luz para um assunto delicado, complexo, mas que precisa ser discutido. Na trama, Lily é a jovem Ellen que é enviada por sua família para uma clínica para pacientes com distúrbios alimentares diversos. Nessa clínica com procedimentos nada ortodoxos ela fará amizade com outros pacientes, com suas histórias vindo aos poucos à tona, estabelecendo uma realidade surpreendente em que pessoas bonitas e saudáveis destroem as suas vidas na busca pela aparência "perfeita".
É um filme nem sempre fácil e os mais sensíveis certamente terão muitos motivos para se emocionar no transcorrer da película. Eu mesmo conhecia pouquíssimo sobre o tema - aliás, para mim foi uma surpresa (vejam bem a minha falta de conhecimento sobre o assunto) saber que mulheres anoréxicas ou bulímicas não engravidam. Ou tem muito mais dificuldade de engravidar. E, tão difícil quanto, de manter uma gestação saudável durante a gravidez. E, bom, no filme há uma mulher com transtorno alimentar que está grávida e não é necessário ser nenhum expert para saber que isso não será nada fácil. Nesse contexto, a obra também se ocupa em mostrar que muitos desses distúrbios podem ser decorrentes de outros traumas psicológicos que teriam seu nascedouro nos primeiros anos de vida, sendo muitos deles ocasionados por comportamentos inadequados dos pais. E não estamos apenas falando de abusos sexuais e de violência física: o abuso psicológico, de pais que desejam filhos "perfeitos", também entra neste combo de possibilidades.
Na mesma entrevista, Lily Colins disse que admitir seu passado (agora visto, em partes, no filme), lhe fez se sentir livre. Com calafrios, mas me sentindo muito livre: "compartilhar minha história com distúrbios alimentares e o quão pessoal este filme é foi uma das melhores experiências da minha vida." Para algumas pessoas ligadas a saúde, o filme pode ter um efeito contrário por funcionar como uma espécie de "gatilho" para pessoas emocionalmente abaladas - ainda que eu acredite que só a possibilidade de debate sobre um tema tão espinhoso já faça vale a pena. E é uma obra que não é só chororô: há o Keanu Reeves que interpreta um médico excêntrico, há o jovem Alex Sharp como interesse romântico de Ellen - um garoto que é fã das artes e que serve como um divertido alívio cômico. E há a abordagem ao mesmo tempo repleta de sutilezas, de bom humor e de otimismo, o que em tempos tão brutos pode nos fazer bem. Eu não conhecia sobre o tema e saí da sessão com uma ótima impressão. Convido vocês a fazer o mesmo.
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