quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Disco da Semana - Rosa Neon (Rosa Neon)

Se há algo que a música brasileira é hoje em dia é democrática - e nesse sentido parece não haver limites para a produção artística nacional, especialmente para aquela que está a margem, buscando espaço. Nesse sentido, coletivos como o mineiro Rosa Neon, que chega ao debut com seu disco homônimo, parecem possuir uma capacidade única de brincar com estilos, indo do reggae (Estrela do Mar), passando pelo brega (Vai Devagar), até chegar a, acredite, o freak folk da faixa-título (que não faria feio em algum disco do Dirty Projectors. Com brasilidade, frescor e energia, cada curva desse registro inaugural é um convite para um fim de tarde ensolarado, colorido em que a capacidade de rir de si mesmo e de seguir em frente é o que se sobressai - como comprova a ótima Cê Não Tem Dó de Mim. "É uma vitamina, uma mistura danada de coisas", brincou a vocalista Mariana Cavanellas, em entrevista pra Revista Noize.

Naturais de Diamantina, Marina Sena, Marcelo Tofani e Luiz Gabriel Lopes, além da própria Mariana se aproximaram por afinidade: cada um possuía algum tipo de projeto musical anterior e a vontade de "fazer a história acontecer" - como revelaram na mesma entrevista à Noize -, foi o combustível para que o coletivo ganhasse corpo. "Foi um processo orgânico, a gente já se conhecia, admirava o trabalho um do outro", explicou Mariana. "O Rosa tem a ver com essa configuração da soma de forças, de poderes, de caminhadas e bagagens diferentes. Quando nos encontramos, sabíamos que tínhamos ali uma coisa interessante, uma sintonia", completou Luiz. E talvez a naturalidade desses encontros e o processo colaborativo como um todo - há ainda o produtor Rafael Baka -, transforme o registro em algo que nos soe familiar, meio nostálgico e fortemente orgânico. É atual mas a gente já ouviu.



E talvez isso se chame, afinal de contas, personalidade. Sim, dentro do caldeirão de referências absorvido, misturado e "reprocessado" pelo coletivo há alguma reverberação do novo que se junta ao desgastado, que soa moderno e nostálgico ao mesmo tempo e que nos faz sorrir. É mais ou menos quando a gente compra um abajur vermelho para decorar a nossa sala feita com móveis novos e sob medida. É aquela detalhe kitsch brega - e o brega tá na moda em nosso cancioneiro, nunca é demais lembrar -, que se soma ao formato primaveril das melodias contemporâneas, dos efeitos inovadores, remoçados. E talvez não seja pior acaso que músicas irresistíveis como Ombrim se pareçam ao mesmo tempo com algo que a Tetê Espíndola pudesse ter feito nos anos 70 ou com alguma sobra de estúdio do mais recente registro da Bárbara Eugênia (e está aí outra artista que trabalha muito bem esta dicotomia).

Sacanas, divertidas e nada previsíveis, as letras nos oferecem um verdadeiro panorama dos relacionamentos, suas idas e vindas entregues em pequenas confissões cheias de presença de espírito, que se evidenciam como pequenos "cutucões" no limite entre o debochado e o sério. Por exemplo, na autocomiserativa Cê Não Tem Dó De Mim, um eu lírico que admite algum tipo de desafinação, ao mesmo tempo que tenta chamar a atenção (Quando eu cantava pra você / Você nem me olhava). O expediente se repete em outras, como, Picolé (Desde janeiro não vejo você / Meu coração é um picolé e pode derreter) ou Pirraça (A gente teve boa intenção / Não adianta mais fazer pirraça / Tipo programa de televisão / Você assiste mas não acha graça). Acessível e passando de "raspão" por temas como identidade de gênero, feminismo ou poliamor, o coletivo ainda utiliza os seus diversos videoclipes - coloridos, sensuais, leves - como uma excelente porta de entrada. Difícil resistir.

Nota: 9,0

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