quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Cine Baú - Viridiana (Viridiana)

De: Luiz Buñuel. Com Sílvia Pinal, Fernando Rey, Margarita Lozano e Teresa Rabal. Drama, México / Espanha, 1961, 91 minutos.

Em entrevistas, quando perguntado sobre sua religião, o diretor Luiz Buñuel costumava dizer que era "ateu graças a Deus". Nesse sentido, não foi por acaso que diversas de suas obras evidenciaram a hipocrisia dos cristãos que até frequentavam a igreja, mas não abriam mão de ter garantida a manutenção do status quo. Mais ou menos como a lógica que estabelece os bons samaritanos como pessoas caridosas, mas distantes de uma real solução para as questões sociais. Em 1961, quando Buñuel lançou Viridiana (Viridiana), a Espanha ainda padecia da Ditadura Militar do General Franco - que duraria até 1975. A Igreja Católica, como não poderia deixar de ser, estava do lado do Regime. Foi nesse País cheio de contradições, que o diretor encontrou o cenário perfeito para a história de uma jovem prestes a se ordenar freira, que desiste após um episódio trágico.

A jovem em questão é Viridiana (Sílvia Pinal) que, por sugestão de sua Madre Superiora, resolve visitar o tio Don Jaime (Fernando Rey), semanas antes de a religiosa fazer em definitivo os seus votos. A protagonista nunca teve muito contato com o tio, mas é grata a ele por ter sido ele ter lhe ajudado financeiramente em sua formação, no passado. Por conta da semelhança de Viridiana com sua falecida esposa, Don Jaime fica obcecado pela jovem. Mantendo-a presa em sua ampla propriedade - no local vivem apenas uma governanta e sua filha, mais um empregado -, o homem acaba dopando a sobrinha com a intenção de estuprá-la. No último instante ele desiste e, tomado pela culpa, comete suicídio. Incapaz de conviver com o remorso, Viridiana desiste da ordenação e passa a morar na propriedade do tio, que deixou a mansão parte para ela, parte para um filho que teve fora do casamento.


É nesse instante que ocorre uma pequena reviravolta na trama, que mais parece dividida em dois capítulos bem distintos. Disposta a fazer o bem, Viridiana arrecada um grupo de bêbados, prostitutas, mendigos e aleijados para lhe auxiliar em tarefas variadas na propriedade, alimentando-os e preparando-os para a vida em sociedade. Tudo vai por água abaixo quando os novos moradores ocupam a sala de jantar da família, transformando uma noite prosaica em um evento grotesco e caótico, que se transforma em uma iconoclasta releitura de A Última Ceia de Da Vinci. Não bastasse a tragédia da falta de efetividade do programa que buscava assistir os vulneráveis, Viridiana ainda é estuprada pelas próprias figuras sujas e decrépitas que abrigara. A descrença total na vida em sociedade e o mal-estar estabelecido pelas diferenças entre classes se encerra na cena final em que uma Viridiana entorpecida pelo absurdo do comportamento humano, se entrega a uma espécie de "orgia familiar" - com as cartas de um baralho servindo como metáfora.

Proibido na Espanha franquista durante muitos anos, Viridiana ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes, sendo lembrado pelos fãs como um dos pontos altos de Buñuel. Rico em imagens icônicas, da jovem que pula corda embaixo da árvore em que Don Jaime se enforcou, passando pela abelha que, dentro de um tonal de água, luta para sobreviver, até chegar ao grosseiro grupo de desajustados que se movimenta como uma massa disforme (e tosca) em direção a mansão - estabelecendo um curioso contraste, o filme é valioso por não fazer concessões naquilo que se propõe. Amarga, eventualmente cínica e inegavelmente bem humorada, a obra permanece como uma das mais importantes na análise psicológica dos personagens, não havendo limites para o conflito deflagrado pelo instinto. Ele surge de forma diferente em cada classe social, mas opera de igual maneira.

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