quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Cinema - Yesterday (Yesterday)

De: Danny Boyle. Com Himesh Patel, Lily James, Ed Sheeran, Joel Fry e Kate McKinnon. Comédia / Musical, EUA, 2019, 116 minutos.

A premissa de Yesterday (Yesterday) não poderia ser mais original: e se "acordássemos" em um mundo em que os Beatles nunca existiram? Como seria essa realidade sem os quatro garotos de Liverpool? Bom, o filme dirigido por Danny Boyle (Quem Quer Ser um Milionário?) e roteirizado por Richard Curtis (Simplesmente Amor) tenta imaginar esse universo, nos apresentando a Jack (Himesh Patel), um funcionário de supermercado que, nas horas vagas, "ataca" de músico. Com uma carreira de pouco sucesso - nos poucos festivais que participa, acaba relegado aos palcos paralelos -, ele vê tudo mudar após sofrer um acidente envolvendo um ônibus (e um apagão mundial, meio sem explicação). Bom, ao acordar do coma, ele é recebido de volta pelos amigos, que lhe presenteiam com um violão. Para testar o instrumento novo, toca Yesterday. Resultado: todos ficam maravilhados, se perguntando de onde ele tirou aquilo, aquela melodia tão bonita, com uma letra sinuosa.

Sem entender nada, Jack perceberá que, neste novo mundo em que vive, John, Paul, Ringo e George nunca se reuniram para cantar juntos Help! ou Ticket To Ride ou Eleanor Rigby e nem gravaram seus clássicos álbuns. E é aí que, como músico, ele percebe a sorte grande que tirou, já que pode apresentar todas as canções dos Beatles (ou ao menos aquelas que ele se lembra) para o mundo, como se fossem um material completamente original. Não demora para que ele comece a fazer sucesso, atraindo a atenção de produtores e até de outros artistas, como Ed Sheeran, que interpreta a si próprio (e até surpreende em sua caracterização). Há ainda nesse contexto um componente romântico na melhor amiga Ellie (a sempre competente Lily James) e uma série de caricatos personagens secundários, como é o caso da empresária Debra (Kate McKinnon) e do melhor amigo Rocky (Joel Fry), um desastrado roadie. Trata-se de uma comédia romântica, vale lembrar, o que permite mais ou menos imaginar o que vai acontecer.


Sobre o filme em si, trata-se de uma obra divertida mas, eventualmente, irregular. Confesso que quando a sessão começou eu imaginava que o principal arco dramático da película envolveria o esforço de seu protagonista em dar às canções dos Beatles a importância que elas, de fato, mereceriam na História da Música. Pensei que, sozinho, e num mundo como o de hoje (tecnológico e cheio de opções diversas) suas canções demorariam muito mais para "acontecer". E só pensar em quantas bandas alternativas com ótimas canções existem na atualidade e que seguem relegadas a um nicho bem específico ou a uma parcela pouco expressiva de fãs. Imaginava que a luta seria mais no "vejam, que troço genial! ENXERGUEM PELO AMOR DE DEUS". Mas o filme opta pelo respeito ao legado dos fab four, fazendo eles realmente grandes em um universo em que Lady Gaga, Justin Bieber e o próprio Sheeran navegariam em mares consolidados. Aliás, eles existiriam em mu mundo sem os Beatles? Confesso que ver o mundo da música (e cultural como um todo), sem nenhuma alteração aparente sem a existência de John, Paul e companhia também me incomodou um tanto.

Mas, fora estes aspectos o filme tem muitos méritos - especialmente no que diz respeito as sequências de humor (e são várias). A cena em que um coletivo da gravadora apresenta as possíveis capas para o disco de Jack é ótima, o mesmo valendo para o instante em que o pai de Jack diz para o Ed Sheeran que ele parece o Ed Sheeran (e a sequência só se torna divertida porque a gente imagina que um senhor de idade não será capaz de reconhecer tão facilmente o astro). Da mesma forma, também são engraçadas as sequências em que Jack faz buscas no Google, mas sem sucesso - o único beetle que insiste em aparecer é mesmo um "besouro". Além das partes engraçadas, há um tom geral meio solene no tratamento das músicas dos Beatles, sendo difícil não se comover ao assistir a primeira performance de Yesterday - que apresenta essa verdadeira jóia de nossa música "oficialmente" ao mundo. Ao mostrar Let It Be para os pais, que lhe interrompem com conversas, toques de celular e visitas inesperadas, a gente fica com um sentimento amargo pela falta de respeito a um material que é maior do que uma simples música. O que parece oficializar o aspecto suntuoso do quarteto de Liverpool.


Bom, talvez não vá ser o filme mais inesquecível de Danny Boyle, ainda que mesmo as suas obras menores sejam lembradas com carinho pelos fãs (aliás, alguém aí já assistiu Caiu do Céu?). Mas em linhas gerais é um filme bacana que, se peca nesse aspecto da contextualização histórica da indústria cultural, sensibiliza o espectador pelo grande fardo que se torna o conhecimento detido pelo protagonista. E que, pouco a pouco, vai se tornando cada vez mais difícil e lidar (e Patel consegue transmitir muito bem essa angústia, que é fruto de uma mentira que vai se arrastando em apresentações, em programas de televisão, em views na internet). É uma obra que fala ainda de permanência da memória, de relevância musical, de nostalgia. Enfim da importância de valorizarmos a arte e a sua reprodução - e confesso que o filme me fez pensar que nunca, jamais, teremos a oportunidade de ver os quatro ao vivo. Ainda que seu legado permaneça: em discos, em shows disponíveis na internet, em artigos colecionáveis... e esperamos que isso não mude. Com ou sem apagão.

Nota: 7,0

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