sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Picanha em Série - Fleabag (1ª e 2ª Temporadas)

De: Phoebe Walter-Bridge. Com Phoebe Walter-Bridge, Bill Paterson, Olivia Colman e Sian Clifford. Comédia, Grã-Bretanha / Irlanda do Norte, 2016 / 2019, 320 minutos (aproximadamente).

Fleabag (Fleabag) é a série mais cinicamente divertida dessa temporada e isso, por si só, já é motivo suficiente para darmos atenção a ela. São apenas duas temporadas que totalizam doze episódios com vinte e poucos minutos cada - disponíveis no serviço de streaming da Amazon. Ou seja, dá pra maratonar de boas em no máximo um fim de semana e ainda por cima sem aquele sentimento de "meu Deus como estou perdendo tempo com essa série arrastada que não avança" como é o caso de MUITAS da Netflix. Dilemas da vida adulta, frustrações, relacionamentos fracassados (ou não), feminismo, luto, quebra de paradigmas e muito sexo descompromissado e descolado poderiam representar uma espécie de resumo das digressões propostas pela série - e pela protagonista -, que é vivida com intenso carisma por Phoebe Walter-Bridge, que também criou o show.

Na trama acompanhamos as desventuras da Fleabag do título. Ela é dona de uma cafeteria que vai mal das pernas, tem um ex-namorado meio grudento, uma melhor amiga que surge em flashbacks e que parece ter morrido, uma irmã que é o completo oposto a ela (certinha, casada e frustrada), um cunhado babaca, um pai separado e uma madrasta de grande sensibilidade artística, mas completamente debochada (interpretada pela Olivia Colman, em papel bem diferente daquele que lhe deu o Oscar por A Favorita). Em meio a corrida rotina de luta pela sobrevivência, a complexidade das relações vai sendo revelada em pequenas doses, com o espectador se surpreendendo aqui e ali com a falta de lógica do comportamento humano - e se reconhecendo, em muitas ocasiões, na tela, afinal de contas também nós estamos em busca de ser felizes, tentando fazer o melhor, errando, acertando, chorando e se reerguendo. E isso a obra de Phoebe faz como poucas.


Principal recurso técnico, a quebra da quarta parede - quando o personagem "fala" conosco -, é utilizado de forma criativa, corrosiva, podendo ser sutil ou expansiva, dentro de contexto ou até fora dele. Não são poucas as vezes que Fleabag nos olha apenas com o canto do olho, como se estivesse buscando o nosso aval em determinada sequência. Em outros momentos, os comentários mordazes da protagonista em relação aqueles que lhe rodeiam, servem como divagações perspicazes que nos transformam em secretos confidentes dela. Mas há ainda outro mérito: Fleabag não se considera alguém superior por suas opções ou estilo de vida. Sabe que tem fraquezas, que há feridas relacionadas ao passado que serão difíceis de ser curadas, mas está ali, de corpo e alma, tentando, persistindo. Aliás, suas escolhas na atualidade também serão reflexo daquilo que ela é - como nos mostrará a sua excêntrica relação com um padre, já na segunda temporada.

Utilizando o sexo como uma forma de tentar superar esses traumas, Fleabag parece não ter ninguém ao seu redor que não seja "nós" mesmos - e seremos nós a tentarmos compreendê-la em suas imperfeições, que riremos, choraremos e nos compadeceremos dela e de suas desesperadas tentativas de sobreviver. É um tipo de vida real mais real que a vida e ainda por cima com um charme inglês que a eleva a um outro patamar. Engraçada, tocante, depravada, a série tem uma coleção de personagens tão detestáveis, que acabamos gostando - talvez porque percebamos um pouquinho de nós em cada um deles. É o tipo de série em que rimos do improvável: seja um homem cheio de dentes, uma estátua que passa por "altas aventuras", um retiro espiritual para reconexão ou uma vernissage em que aparece uma "parede de pênis". É o absurdo do mundo. E nós estamos nele. Que venham mais temporadas!

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