segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Cinema - Era Uma Vez em... Hollywood (Once Upon a Time in... Hollywood)

De: Quentin Tarantino. Com Leonardo DiCaprio, Brad Pitt, Margot Robbie e Al Pacino. Comédia dramática / Policial, EUA, 2019, 165 minutos.

Opinião sobre filme do Tarantino é que nem c*: todo mundo tem a sua. Seja na mesa de bar (pseudo)cinéfila ou em fóruns gloriosos de redes sociais, cada um de nós tem seu pitaco a dar. "É o filme menos Tarantino do diretor", "ele fez uma ode ao cinema", "as referências à cultura do final dos anos 60 conferem um charme a mais", "é cinema mais arrastado e menos violento". Sim, você vai ouvir um pouco de tudo sobre Era Uma Vez em... Hollywood (Once Upon a Time in... Hollywood) e tudo tem, sim, um tanto de sentido - a despeito do pedantismo dos fãs do diretor, quando resolvem discorrer sobre sua obra. É, como todos os filmes do Tarantino, um bom filme. Cheio de diálogos divertidos, situações imprevisíveis, metalinguagem e também aquela que tem sido uma de suas marcas, em seu cinema mais recente: subverter a lógica de eventos reais do passado, reimaginando-os em um novo contexto. E isso ele faz de forma avassaladoramente maluca, curiosa, excêntrica.

A trama nos joga para o ano de 1969. O cinema de faroeste está em queda e com isso uma de suas grandes estrelas, o astro Rick Dalton (Leonardo DiCaprio), vê as oportunidades em Hollywood rarearem. Papéis para ele, agora quase um veterano, apenas de vilão para mocinhos que serão os novos astros da Meca do Cinema. Ao seu lado, para lá e para cá, anda o inseparável Cliff Booth (Brad Pitt), seu dublê e, digamos, amigo, a despeito do contraste que há em suas vidas - enquanto um curte um drink na piscina ao final de um dia de trabalho, o outro vai para o trailer decadente comer um miojo grotesco, enquanto alimenta um cachorro com comida sabor "rato" (um dos tantos detalhes divertidos, com a marca do diretor). O contraste não está só nisso. Está nas mudanças que ocorrem no mundo e qua perfumam a trama com um panorama político que coloca hippies de um lado, yuppies do outro, que movimenta o cinema, a percepção do público sobre ele e, consequentemente, seus astros.



Sharon Tate (Margot Robbie), por exemplo, surge como a vizinha de Rick. Em um "relacionamento sério" com Roman Polanski - ela havia filmado com ele o ótimo A Dança dos Vampiros (1967) -, viria a morrer em 1969, história conhecida por todos, a partir de um ataque perpetrado por sádicos seguidores de Charles Manson (um crime amplamente coberto pela mídia na época). O que a obra faz é retornar no tempo, para os meses que antecedem este episódio - utilizando a própria Hollywood, o conceito do filme dentro do filme e da solução para um "confronto final" contra vilões, algo tão típico no cinema do período (especialmente nos faroestes), como a matéria-prima para esta obra. O que resulta em uma saborosa experiência cinematográfica, cheia de participações especiais - de integrantes do Mamas and The Papas, passando por Steve McQueen, até chegar em Bruce Lee. Aliás, desde já a sequência em que Lee desafia Cliff para um "duelo" está entre as melhores e mais inacreditáveis do ano.

Ainda que siga um fio narrativo, o filme muitas vezes mais parece uma grande colagem de eventos aleatórios, uma colcha de retalhos que envolvem não apenas os bastidores do cult movie Arma Secreta Contra Matt Helm (1969) - que estava sendo gravado à época -, mas também as tentativas de Rick Dalton de se manter na indústria a despeito de suas inseguranças, as festas animadas, a presença dos hippies, da contracultura e dos seguidores de Charles Manson, fora o emaranhado de referências à filmes, séries, músicas e publicações do período, que funcionam como um grande arquivo nostálgico de uma época de transformações. Não por acaso, a cena em que uma menina de oito anos dá sugestões à Dalton sobre leitura, interpretação de texto e caracterização de personagens, serve como metáfora para tudo aquilo que vemos: o velho ficando para trás, ultrapassado, o novo chegando para "substituir" - personificado também em Tate. E o mundo em ebulição, efervescente, buscando novos ídolos para "cultuar". Usando-os como desculpa até para matar.


E como se não bastasse a obra trafegar de forma fluída e descompromissada entre gêneros - é possível rir e se emocionar em poucos minutos (e até se assustar!) -, o filme ainda é um primor do ponto de vista técnico. O desenho de produção é caprichado e o próprio Tarantino admitiu em entrevistas que se valeu não apenas da pesquisa, mas também de sua memória afetiva (novidade!) para inserir um sem fim de pôsteres, propagandas de revistas, programas de TV, outdoors e outros que rolavam na época e que evocam o período. O mesmo vale para a fotografia num amarelo saturado, empoeirado e para os figurinos. Talvez não seja o melhor filme do Tarantino e nem era essa a intenção: mas é o que mais parece se importar com seus personagens, em fazer com que transmitam mais com menos, se valendo de diálogos e gestos relevantes. É filme grande e que, muito provavelmente, estará na próxima cerimônia do Oscar, em busca de estatuetas. É aguardar pra ver.

Nota: 8,5

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