Nesse sentido, talvez não seja por acaso que este trabalho soe um pouco menos acessível que os anteriores - como se nas entrelinhas de canções um pouco mais herméticas e eventualmente mais densas, também houvesse "embutido" um convite à reflexão um pouco mais aprofundada sobre o mundo, sobre dores e também sobre desilusões, quaisquer que sejam. Sim, ainda dá pra apreciar o dia ensolarado, o clima primaveril e cantar junto - como já fizemos em Felicidade, Pra Sonhar e De Graça. Mas o Brasil está ficando mais sério, mais "pesado", sendo inevitável que não fechemos os olhos para aquilo que nos define, para as nossas origens ou para aquilo que nos preservará em todos os sentidos. Talvez seja por isso que a ambígua Emergencial - que abre o disco coladinha com o canto inicial Ikashawhu da tribo indígena Yawanama -, conclame: É emergencial a gente se conectar com a terra. Emergencial. De forma repetida. Quase como se fosse um mantra.
Corroborando com essa tese, no pequeno material de divulgação que acompanhou o lançamento do registro, o artista explicou que Guaia tem a ver com o fato dele ter nascido no bairro de Guaianazes, na periferia de São Paulo, local que é "construído por trabalhadores do Brasil profundo que espalham afeto, resistência, dança, cores e cultura". É lá que Jeneci alega ter recebido a chama e o chamado para romper com música o escuro do futuro. "Trago na alquimia desse álbum a rua onde cresci, o agreste do Pernambuco e a grande metrópole que se fundiram em mim". E não é por acaso que, conforme se descortinam as canções, percebemos um equilíbrio quase perfeito entre tradição e modernidade, entre memória e contemporaneidade, entre o velho e o novo. O que pode ser constatado pelo contraste entre os ritmos regionalistas e eletrônicos, que se complementam, se fundem, formando uma musicalidade curiosa e até mesmo mais ampla do que aquela vista nos maravilhosos trabalhos anteriores.
Como exemplo disso, podemos citar a assimetria existente na trinca formada por Oxente, Vem Vem e O Seu Amor Sou Eu. Enquanto a primeira, gravada em parceria com Chico César, é quase uma ode ao Nordeste, seus ritmos e gírias, a segunda, concebida num dueto com a encantadora artista Maya, é uma Jovem Guarda que recebeu um banho de modernidade, estando prontinha para tocar nas rádios mais descoladas. Já a terceira é pura beleza orquestral, com a voz em falsete de Jeneci amparando os delicados versos em forma de carta de amor. Esse tipo de contraste, de justaposição, se repetirá diversas vezes durante o registro, sem que isso signifique necessariamente heterogeneidade excessiva ou algum tipo de falta de lógica. Se Melodia da Noite mantém a batida sutil, a melodia sinuosa, Aí Sim aparecerá para colorir o dia, com versos sobre mudança, transformação. Se Redenção é provocativa, Saudade do Meu Pai será nostálgica. E por aí vai, afinal de contas, assim é a vida: cheia de idas e vindas.
Nota: 8,5
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