segunda-feira, 29 de julho de 2019

Tesouros Cinéfilos - Amanda (Amanda)

De: Mikhael Hers. Com Isaure Multrier, Vincent Lacoste, Ophélia Kolb e Stacy Martin. Drama, França, 2018, 107 minutos.

Certamente a gente já viu o filme em que um evento traumático obriga as personagens a superarem as adversidades, tirando forças de onde não tem para tentar seguir em frente. Mas o francês Amanda (Amanda) trata com tanto carinho e sensibilidade o tema da perda e do recomeço, que é simplesmente impossível não se apaixonar pela história - e por aqueles que assistimos. A Amanda do título é a graciosa Isaure Multrier, menininha de sete anos que mora com a mãe, a professora Sandrine (Ophélia Kolb) no subúrbio de Paris. O irmão mais novo de Sandrine e tio de Amanda, David (Vincent Lacoste), é uma espécie de faz-tudo - trabalha como pintor e jardineiro e também na condução de hóspedes que ocuparão imóveis alugados via aplicativos. Nas poucas horas vagas, entre um flerte ou outro com alguma nova vizinha, auxilia a irmã buscando a sobrinha na escola ou a levando para algum compromisso - como ocorre com muitas crianças desse mundo, Amanda não tem um pai para chamar de seu.

Só que a vida relativamente confortável, ainda que cheia de compromissos, do trio central será abalada após um inesperado ataque terrorista ocorrido em uma Praça da capital francesa. Aliás, o evento é tão surpreendente que a gente quase custa a compreender o que de fato aconteceu quando presenciamos uma série de corpos atirados no chão, ensanguentados e com outras pessoas à volta, chorando. Para o diretor Mikhael Hers não há romantização na violência e talvez por isso ele abra mão de mostrar a preparação para o atentado, a busca da polícia por solucionar o caso ou mesmo os rituais fúnebres. Sandrine estava na Praça, com amigos quando a tragédia aconteceu. David estava chegando no local. Ficou em cima de sua bicicleta, estupefato ao presenciar a morte da irmã, assim como ficamos também. E ficou também com Amanda e com decisões difíceis sobre a vida e sobre o futuro da criança que ele, do alto de seus 24 anos, não estava preparado para tomar agora.


Nesse sentido, o filme é inteligente ao não optar pela unilateralidade ou pelo maniqueísmo. David não era o tio idiota, vagabundo ou mulherengo que agora vai se redimir tendo de obrigatoriamente cuidar da sobrinha - juridicamente, ele é um dos principais candidatos a tutor. Ao contrário, nunca escondeu que ama a criança, mas aí a se tornar uma espécie de "pai improvisado" serão outros quinhentos. David não sabe que nem roupa dar para a criança vestir, como comprovam os repetidos figurinos de Amanda ao longo dos dias. Conseguirá lhe alimentar? Lhe auxiliar na escola? E mais: ele quer isso, de fato? E será com uma honestidade retumbante que a trama conduzirá as suas ações. Não há vilões ou mocinhos - fora os terroristas que devastam vidas, claro -, e sim, pessoas tentando sobreviver, superar o luto e se reencontrar nesse mundo de violência tão absurda e inexplicável.

Comovente, o filme fará o espectador mais sensível chorar por diversos momentos com o luto e as incertezas das personagens - especialmente David e Amanda, que se pegarão chorando de forma enternecedora, naturalista e realista, de maneira inesperada, sufocante, bem como é na vida real. A gente não explode em um único momento. A tristeza pode vir em meio a uma nostálgica partida de tênis ou em meio ao trabalho, quando nosso pensamento viaja (e a cena de David chorando antes de receber um casal de hóspedes russos, talvez seja uma das mais emocionantes do ano). Assim como é emocionante e graciosa a sequência em que Sandrine explica para Amanda o significado da expressão inglesa "Elvis has left the building" (Elvis já deixou o prédio) e que terá sentido fundamental mais adiante na história. Uma cena doce, gostosa de ver, bem concebida e que termina com mãe e filha dançando ao som de Don't Be Cruel.



Com coadjuvantes que orbitam os protagonistas apoiando-os como podem - é o caso da tia Maud  (Marianne Basler) e da candidata a namorada de David, Léna (Stacy Martin) -, a obra aposta em uma fotografia granulada, meio setentista e que utiliza cores sóbrias que fazem uma espécie de contraste em relação ao estado de espírito daqueles que assistimos. Grudando a câmera na cara dos personagens, Hers nos aproxima deles, nos torna íntimos, como se pudéssemos nós também estender as mãos, os braços e o corpo todo para um afago que pudesse aplacar um pouco da dor, ou para alcançar uma palavra de compreensão. O mundo anda uma merda e mesmo numa capital glamourosa como Paris o estilo é desglamourizado, duro, pouco afável. Sendo necessário que nos apoiemos em que nos ama, compreendendo as dificuldades e tentando a todo o custo seguir em frente.

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