quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Pérolas da Netflix - Inspire, Expire (Andið Eðlilega)

De: Isold Uggadottir. Com Babetina Sadjo, Kristín Thóra Haraldsdóttir e Patrik Nökkvi Pétursson. Drama, Islândia / Suécia / Bélgica, 2018, 95 minutos.

Destaque do último Festival de Sundance Inspire, Expire (Andið Eðlilega) é uma obra pequena, mas ainda assim tão cheio de significados. Tão relevante em tempos de intolerância. De falta de empatia. De individualismo e de julgamentos sobre o outro - e, faço aqui um mea culpa, parece que estamos sempre prontos a "lavar as mãos" para os problemas que não nos dizem respeito. Na trama, duas mulheres completamente diferentes, mas com objetivos de vida semelhantes. Lara (Kristín Thóra Haraldsdóttir) é uma mãe de família desempregada que não consegue dar conta dos boletos que não param de chegar, sendo despejada do complexo habitacional em que mora. Já Adja (Babetina Sadjo) é uma refugiada de Guiné-Bissau que pretende ir ao encontro da filha, que está no Canadá. Quando Lara consegue um trabalho no aeroporto de Reykjavic, ela acaba barrando a passagem de Adja, que tentava utilizar um passaporte falso para sair do País.

É claro que esse pequeno encontro, este instante em que ambas estiveram juntas, modificará a vida delas para sempre. Ainda mais pelo fato de a obra da diretora Isold Uggadottir ser um filme sobre coincidências. Sobre acasos. Sobre estar no lugar certo (ou errado?) na hora certa. Adja acaba mandada para uma espécie de prisão do Estado em que aguardará julgamento. Despejada, Lara passará a morar com o filho pequeno no velho carro que possui (ao menos até que o seu primeiro salário entre e ela consiga, finalmente, começar a pagar os credores). Em um dia muito frio Lara perde o menino de vista - que sai de dentro do carro para procurar o gato da família. Quem o encontra? Adja, que retornava para a prisão após sair para as compras. Nesse novo encontro, uma mudança de percepção e a constatação de que ambas, mães solteiras sofrendo em um universo de abusos, são mais parecidas do que pensam.


O filme como um todo é muito silencioso, até frio - condição reforçada pelas paisagens gélidas da Islândia. Aposta muito mais nos olhares, na sugestão, do que nos gestos mais expansivos. No olhar cúmplice de Lara, já no terceiro ato, o arrependimento claro pelo que ela fez e o sonho de, se pudesse voltar no tempo, mudar o destino de Adja. Nos olhos marejados de Adja, a constatação de que a outra apenas estava cumprindo a Lei do País - e assim a gente percebe que o péssimo tratamento dado a refugiados ou estrangeiros, quaisquer que sejam, não é exclusividade nossa. Em meio a tudo, Lara também tenta tocar a sua própria vida e, como se fosse uma espécie de Roberto Benini em A Vida É Bela (1998), mente para o seu filho dizendo que o "despejo" será uma espécie de temporada de aventuras a bordo de um carro velho. Em cada sequência em que as dificuldades são escancaradas, é impossível não se comover.

Com ótimas interpretações da dupla de protagonistas, o filme ainda acerta em cheio por ser uma espécie de fábula distinta sobre a amizade. Por linhas tortas Lara e Adja se aproximarão, se tornarão amigas e se apoiarão em decisões que podem mudar o destino de ambas. Mas que mostram que nem sempre as primeiras impressões são aquelas que ficam. Olhando o filme fiquei pensando na nossa pequena e xenófoba cidadela. Aquela mesma que odeia haitianos e senegaleses que tentam tocar a vida vendendo produtos na beira da calçada - que, muitas vezes, não querem voltar para os seus países de origem, mas também não tem para onde ir. Nesse sentido obras como esta também servem para nos lembrar que, por trás de uma pessoa adotando medidas desesperadas para sobreviver, pode haver um ser humano cheio de boas intenções. Cabe a nós baixar a guarda e deixar um pouco de lado o preconceito.

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