segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Tesouros Cinéfilos - Ponto Cego (Blindspotting)

De: Carlos Lopez Estrada. Com Daveed Diggs, Rafael Casal e Janina Gavankar. Comédia dramática, EUA, 2018, 95 minutos.

Em um contexto de avanço de uma extrema-direita cheio de ódio, de preconceito e de intolerância, filmes como Ponto Cego (Blindspotting) serão cada vez mais necessários, daqui pra frente. É uma obra que bebe na fonte do melhor Spike Lee para fazer o discurso sem soar excessivamente panfletário. É a resistência sutil, representada na voz calma e nos modos tranquilos do protagonista Colin (Daveed Diggs), ex-presidiário que enfrenta os últimos dias de liberdade condicional e que conta os dias para ter as suas contas com a justiça definitivamente acertadas. Ele tenta andar na linha de todas as formas - como uma espécie de Al Pacino do Oakland em O Pagamento Final (1993) -, por mais que companhias como a do amigo de infância Miles (Rafael Casal), sejam um convite para se meter em encrenca.

Faltando três dias para a tão sonhada liberdade, Colin presencia um policial assassinando um negro a sangue-frio. Sem saber direito como reagir ele segue em frente com medo de enfrentar novos problemas com a polícia. Mas a imagem do homem sendo morto assombrará Colin. Aliás, várias imagens assombrarão ele o tempo todo já que, também negro, o protagonista convive com o medo da morte o tempo todo. Para ele, estar em contato com uma arma (ou com drogas) pode representar uma dura sentença, apenas pelo fato de ser negro. Ao passo que o melhor amigo Miles - aquele tipo de branquelo meio skinhead cheio de tatuagens - terá um "cheque em branco" para um comportamento errático já que é caucasiano. Nesse sentido, Ponto Cego é, no fim das contas, uma obra sobre o racismo estrutural. Aquele tipo de racismo que é velado, nunca claro, mas que faz com que as pessoas tratem de forma diferente as raças diferentes.


No evento que levou Colin à cadeia, Miles também estava presente (como veremos em um flashback). E ele foi tão culpado quanto. Mas quem foi para a cadeia? A gentrificação da cidade de Oakland - aliás, esse é um processo que a Califórnia como um todo tem vivido - torna a vida ainda mais difícil para os locais (que devem conviver com o aumento do custo de vida, com pessoas diferentes na comunidade e até com o risco de desemprego). De alguma forma (e também por causa disso) o filme do diretor estreante Carlos Lopez Estrada é uma obra de contrastes: de um lado a cultura das ruas, representada pelos grafites multicoloridos, pelo hip hop e pela pluralidade, de outro as casas grandes e acinzentadas dos moradores mais ricos - e muitos deles serão clientes de Colin e Miles, que trabalham em uma transportadora.

Como já disse, é um filme que aposta na sutileza, que passa o recado e não pesa a mão. As conversas em estilo rap freestyle da dupla de protagonistas beiram o delírio realista, divertindo e fazendo pensar em igual medida - sensação ampliada pelo estilo multicolorido da fotografia, pela música onipresente e pelo desenho de produção cuidadoso. Já sequências como a que mostra uma festa de hipsters afetados nos fazem rir pelo absurdo - ainda que a conclusão desta seja chocante. E nada funcionaria se não fosse o carisma irresistível de Diggs e, especialmente, de Casal, que mesmo estando no limite da "bandidagem" nos fazem torcer para que a sua vida possa definitivamente entrar nos trilhos. Uma obra curiosamente descontraída, com diálogos sagazes, mas que não abre mão de discutir, nas entrelinhas, temas necessários como o porte de armas e o respeito às diferenças.

Nenhum comentário:

Postar um comentário