segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Pérolas da Netflix - Feliz Como Lázaro (Lazzaro Felice)

De: Alice Rohrwacher. Com Adriano Tardiolo, Alba Rohrwacher, Nicoletta Brschi e Tommaso Ragno. Drama, Itália / Suica / França / Alemanha, 2018, 127 minutos.

Feliz Como Lázaro (Lazzaro Felice) é um daqueles filmes cheios de simbologias. Que nos deixa pensativos, enquanto os créditos sobem. E que aposta na sutileza para mostrar que vivemos em um mundo de pessoas corrompidas - pelo poder, pelo dinheiro -, onde a bondade, a gentileza e a empatia dão lugar ao ódio, a intolerância e ao individualismo. Na trama Lazzaro (Adriano Tardiolo) é um garoto pobre, que mora com a sua família em uma fazenda mantida por uma Marquesa (Nicoletta Braschi). Ele está sempre disposto a ajudar, seja nas tarefas mais pesadas do dia a dia na plantação de tabaco, seja se oferecendo para levar uma xícara de café para alguém. Assim como ocorre com a Nicole Kidman em Dogville (2003), as pessoas abusam da boa vontade de Lazzaro, que é adepto do "fazer o bem sem olhar a quem". Na fazenda, os moradores mal ganham para comer e acreditam estar sempre em dívida com os patrões - aquelas figuras "generosas" que lhe possibilitaram o trabalho.

A chegada de parentes da Marquesa modificará a rotina do local, especialmente pela presença de um excêntrico sobrinho que irá para as montanhas com a intenção de fingir ter sido sequestrado - mimado, ele quer apenas chamar a atenção de todos. Uma ligação telefônica saída da fazenda, aliada a uma fatalidade envolvendo Lazzaro atrairá agentes de polícia para a fazenda, que constatarão que a Marquesa mantinha mais de 50 pessoas em condições de trabalho análogo à escravidão. Sim, qualquer semelhança com o Brasil não é mera coincidência. A trama faz um salto no tempo, com Lazzaro "ressuscitando" e indo em busca de sua família. O tempo passou, ninguém mais é escravo, mas as condições de pobreza permanecem as mesmas. Sim, a sociedade é hipócrita e sem boas políticas públicas, o pobre seguirá pobre, na rua na chuva ou na fazenda.


E é ao mostrar que as coisas não mudam com o passar dos tempos, que Feliz Como Lázaro tem seu maior acerto. Aliás, em um mundo que é uma verdadeira selva - e não são por acaso as metáforas envolvendo lobos uivando -, com todo mundo se atropelando e pensando só em si, não há lugar para a generosidade de Lazzaro (o que talvez explique o emocionante e, desde já, icônico final). No cada um por si da vida, a obra da diretora Alice Rohrwacher vai no limite do realismo fantástico para falar sobre a tragédia pós-moderna de um mundo em que o homem definitivamente deu errado - e que não seria problema colocar a fôrma fora. Jesus Cristo, de acordo com a Bíblia, ressuscitou Lázaro, que seria seu amigo pessoal, confidente, alguém de importância para ele. Mas haverá espaço para o seu homônimo, uma figura absolutamente generosa, nos dias de hoje?

Como forma de tornar a experiência ainda mais comovente, a diretora inunda a tela com pelo menos uma dezena de grandes sequências, como aquela em que a família "descobre" estar em um jardim de Plantas Alimentícias Não-Convencionais (Pancs) ou outra em que os pobres tentam, em vão, entrar em uma Igreja, sendo, após, perseguidos pela música que se amplificava pelo ambiente. Nem sempre a obra será fácil ou simples de entender e nem será esse o objetivo ao final das mais de duas horas de exibição. Mas ao beber da fonte do neorrealismo italiano, e de filmes como Feios, Sujos e Malvados (1976) de Ettore Scola, Rohrwacher constrói uma fábula sobre a gratidão e o altruísmo, como um contraponto a ganância e a mesquinhez. A gente se sente leve diante da placidez dos olhos azuis de Lazzaro - que muito dizem, sem dizer. E só este sentimento já faz valer o filme.

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