terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Lado B Classe A - Animal Collective (Merriweather Post Pavilion)

Quem gosta de música parece estar sempre esperando por algum artista/banda que faça algo realmente NOVO. Que rompa com o lugar comum e que imprima personalidade e algum frescor as melodias. Que cruze estilos de forma inovadora, mas próxima do público. Sim, para cada novo disco do Franz Ferdinand - que ouvimos, claro, nas festas da faculdade ou lavando a louça em casa -, em nosso íntimo desejamos aquilo que nos arrebate. Que seja o novo Kid A - o incensado álbum do Radiohead. Ou que faça, sei lá, algo que o Nirvana fez em Nevermind. Esse papo é até meio chato e essa eventual "exigência" de que a coisa diferente apareça talvez até canse. E não é que o Animal Collective tenha feito A REVOLUÇÃO com o agora clássico Merriweather Post Pavilion. Mas, é preciso que se diga, ele chegou bem perto disso.

Merriweather é o oitavo disco de Avey Tare, Noah Lennox e companhia. E, de alguma forma, pode-se dizer que ele condensa todos os experimentos testados anteriormente pela banda, em uma coisa só. Em algo maior, mais impotente, mais psicodélico, mais roqueiro, mais praiano. Mais festivo. Mais comercial. Do espetacular Feels (2005) saem as canções adocicadas, o clima primaveril, bucólico, que serpenteia o registro com emanações etéreas, sutis. De ótimo Sung Tongs (2004) sai o peso alarmante do rock, com seus gritos mais urgentes e ensandecidos. De Strawberry Jam (2007) entra a psicodelia multicolorida e os refrões eventualmente mais fáceis - e não é por acaso que For Reverend Green é a minha música preferida do coletivo, na vida. Na real qualquer um desses álbuns poderia figurar aqui no Lado B Classe A. Mas o caso é que, no o registro que agora completa 10 anos, a banda enfiou todas as suas melhores referências em um liquidificador. Para de lá retirar um som todo próprio, divertido, efervescente, barulhento, mas também pop e, inevitavelmente, acessível.


Por exemplo, é difícil escutar Bluish, sexta canção do disco e não se comover completamente. Não sorrir, não pensar nas tantas possibilidade alcançadas pela banda. É uma música que começa com um sintetizador econômico e vai levemente crescendo, se ampliando na "ponte" até explodir em um refrão glorioso, que preenche os ouvidos como uma chuva de papel multicolorido a acariciar as nossas têmporas.  O vocal com um leve falsete canta coisas como Eu gosto da sua aparência quando você fica má / Eu sei que eu não deveria dizer isso, mas quando você /Agarra-me como um gato, eu fico radiante, enquanto a música faz idas e vindas se ampliando e retrocedendo, com deslocamentos nunca óbvios. Aliás, esse tipo de quebra de andamento, de alteração da lógica, de cada fragmento funcionando como uma espécie de caleidoscópio sonoro, se repetirá em muitos outros grandes momentos.

No maior hit da banda, My Girls, um começo meio de viagem interplanetária em meio a um filme de ficção científica, enquanto ao fundo uma voz ecoa a felicidade mundana pelas coisas simples da vida - a esposa, uma boa casa, o sangue correndo nas veias. Não demorará para que o sintetizador acelere (assim como toda a música), que culminará em um refrão grudento, inesquecível. No registro são tantas as grandes canções - Also Frightened, Summertime Clothes, Brother Sport, Taste - que é provável que, em uma discussão sobre as melhores do trabalho, cada um tenha a sua preferida. Poucas vezes pop e "barulho" se equilibraram tão bem, em meio a vocais limpos, eventualmente amplificados por coros, efeitinhos e batucadas capazes de aproximar o coletivo de sonoridades africanas e até brasileiras (como na já citada Brother Sport), enquanto o soft rock corre solto, sem vergonha. Um álbum fundamental, cheio de personalidade e que inaugura, ao lado de outros coletivos como o MGMT e o Tame Impala, a nova onda psicodélica que nos acompanha até hoje.


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